Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, abril 13, 2006

A disputa pelo controle da energia elétrica LUIZ PINGUELLI ROSA

FOLHA



Um fato curioso foi a pouca, ou quase nula, repercussão no Brasil da operação do maior grupo de empresas de energia elétrica da Alemanha, EON, para adquirir o controle da Endesa espanhola. A curiosidade deriva de ter a Endesa forte presença no controle de distribuidoras elétricas brasileiras privatizadas, tendo se organizado sob forma de holding recentemente no país, colocando na sua liderança Mario Santos, o ex-presidente do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico).
A pouca repercussão nacional contrasta com a enorme repercussão da operação na Europa. Foi notícia de primeira página no "Financial Times", no fim de fevereiro, ressaltando a forte reação do governo espanhol contra a Endesa ser controlada pelo grupo alemão EON. Foi destacada na imprensa a declaração do porta-voz do governo de José Luis Zapatero, Fernando Moraleda, na qual ressaltava: "Faremos tudo ao nosso alcance para garantir que as companhias espanholas de energia continuem espanholas". E isso aconteceu no âmbito da União Européia, provocando forte estremecimento em Bruxelas. O fato concreto é que a operação foi suspensa, apesar da oferta elevada de 29 bilhões feita pela EON para adquirir a Endesa.
A EON, com a incorporação da Endesa aos seus ativos, passará a ser o maior grupo de empresas elétricas do mundo, ultrapassando a EDF, estatal francesa, que passaria ao segundo lugar. A posição de Madri foi que a Gás Natural, também espanhola, fundisse-se com a Endesa, criando um grande grupo de energia na Espanha. Tudo isso mostra o grave erro em que o governo Fernando Henrique Cardoso incorreu nas privatizações do setor elétrico, baseadas em uma política econômica de mercado que se revelou irrealista, como o racionamento de 2001 evidenciou. A tendência que tanto a EON revela como o governo espanhol é a de concentração empresarial nessa área.
O governo Lula teve o mérito de interromper as privatizações, mas infelizmente não mudou as restrições que tolhem as iniciativas do grupo Eletrobrás, que continua impedido de ser majoritário em parcerias com o setor privado, nem tem acesso a recursos do BNDES. Não há fórmula mágica. A atuação do grupo Eletrobrás é fundamental para expandir o setor elétrico. Pessoalmente, lutei contra as restrições da área econômica do governo e busquei, como presidente do grupo Eletrobrás, dirigir estrategicamente as empresas geradoras federais por meio de um Conselho de Presidentes, que se revelou eficaz para agilizar a atuação do grupo em leilões de energia e de linhas de transmissão e em projetos hidrelétricos estruturantes para o país. O exemplo espanhol deveria motivar a mudança das restrições que emperram os investimentos públicos no setor elétrico brasileiro.
O resultado do leilão de energia nova do fim de 2005 foi problemático. A presença efetiva do setor privado, tido como ator principal na expansão do setor elétrico na política do governo, foi muito abaixo da expectativa. A absoluta maior parte da energia que será contratada em decorrência do leilão será gerada por empresas estatais. Entretanto, grande parte dessa energia nova não é nova, isto é, não será gerada por novas usinas, mas, sim, por termelétricas já existentes e que não tinham contrato para venda às distribuidoras elétricas. Logo não significa expansão da capacidade instalada. A participação das hidrelétricas entre as novas usinas é pífia e o governo não chegou a um acordo aceitável para os grupos ambientalistas que se opõem à hidreletricidade, extremamente atuantes.
Por fim, o crescimento da oferta de energia elétrica poderá não fazer face ao aumento da demanda, em um horizonte de três a quatro anos, caso o crescimento da economia retome o nível de 2004, vencendo o marasmo de 2005. O recém-divulgado Plano Energético divulgado pela EPE é um avanço, mas ainda assim tímido em vários pontos.


Luiz Pinguelli Rosa é coordenador do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ.

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