Direitos do trabalho e ao trabalho
José Eduardo Gibello Pastore*
Pode-se dizer que a reflexão sobre as relações de trabalho se divide em dois grandes grupos: o dos estudos voltados para o trabalho subordinado, ou seja, em que o trabalhador exerce atividades na condição de empregado - o direito do trabalho -, e o dos estudos voltados para o trabalho exercido fora desse contexto - o direito ao trabalho.
O direito ao trabalho personifica o trabalho fora do contexto da relação capital x trabalho. É fenômeno relativamente novo, fomentado pela globalização dos mercados. No entanto, as reflexões sobre o direito ao trabalho costumam ser superficiais e equivocadas como, por exemplo:
O trabalhador que exerce o trabalho sem emprego está na marginalidade, equiparando-se a um escravo;
o trabalho sem emprego deve ser combatido, visto que representa em si um retrocesso ao século 19, quando o capital desumanamente explorava o trabalho;
o único sistema que deve ser privilegiado, capaz de solucionar todos os problemas de inclusão social, é o trabalho tutelado pelo Estado, com a desconsideração ou eliminação sumária de outros modelos.
O mais interessante é que os representantes do poder público, constituídos para fomentar o trabalho e o emprego, só se focam no estímulo ao emprego, em detrimento do trabalho sem emprego. O Ministério do Trabalho e Emprego, não obstante sua denominação incluir dois fenômenos distintos, desenvolve exclusivamente estudos na busca incessante do "emprego", ignorando o "trabalho sem emprego". A Delegacia Regional do Trabalho está dominada pela idéia fixa da busca do "pleno emprego", lavrando contra algumas empresas autos de infração que, muitas vezes, destroem o trabalho digno em prol do emprego precário. Quem tem competência para declarar se uma relação é de emprego ou não é o juiz do Trabalho, e não o fiscal do Trabalho.
Por sua vez, o Ministério Público do Trabalho não leva em conta o sentido do vocábulo "trabalho" em sua denominação, uma vez que está restritivamente voltado à identificação de postos de emprego.
O "trabalho sem emprego", que está no campo do direito ao trabalho, e não do direito do trabalho, é um fato social. A Recomendação 193 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) já identifica o "trabalho associativo", por exemplo, como um dos modelos de trabalho sem emprego. O trabalho sem emprego privilegia principalmente o princípio da autonomia da vontade do trabalhador, em detrimento do princípio do trabalho tutelado. Não são poucos os juízes do Trabalho que têm trilhado este caminho.
Como se sabe, o número de trabalhadores sem emprego é muito maior que o dos que estão empregados. Nem por isso essas atividades devem ser equiparadas à escravidão ou ao subemprego. Equivoca-se quem que considera "trabalho informal" sinônimo de "trabalho precário". Aliás, alguns economistas gostam de se posicionar assim. O trabalho sem emprego pode ser exercido informalmente, podendo ser até mais digno que o trabalho com carteira assinada. O direito ao trabalho de forma alguma pressupõe trabalho escravo.
O direito ao trabalho exercido por trabalhadores na área de tecnologia da informação, por exemplo, não os empurra para condição subumana. Eles percebem em média R$ 12 mil mensais, ao passo que, se fossem registrados, com a suposta proteção da carteira assinada e do sindicato da categoria, sua remuneração não passaria de R$ 3 mil, isso com "todos os direitos garantidos". Neste caso, é exatamente a não-presença da Carteira de Trabalho assinada que lhes garante vida socioeconômica mais digna e vantajosa financeiramente. Isso enerva o poder público, mas é uma realidade que está cada vez mais evidente.
O direito ao trabalho, como dito, é fato social. Trabalhar é um direito fundamental, anterior ao fato de se trabalhar com registro em carteira. É uma escolha que antecede o direito do trabalho, em conformidade com a interpretação sistemática da Constituição federal de 1988. O trabalho sem emprego, digno, justamente remunerado, devidamente reconhecido e socialmente almejado por muitos é também outro fato social. Que atentem os agentes públicos para isso, sob pena de, em pouco tempo, estarem pregando suas teorias apenas para camelos e beduínos, no mundo desértico do trabalho com emprego.
*José Eduardo Gibello Pastore, advogado, é mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP
E-mail: epastore@uol.com.br