Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, abril 14, 2006

Daqui ninguém me tira

VEJA


A vitória de Prodi foi tão apertada que
Berlusconi reluta em entregar o poder  

Giulio Napolitano/AFP
Vale tudo para não entregar o cargo: Silvio Berlusconi quer recontar os votos e governo de coalizão


A Itália juntou-se ao grupo de países em que o eleitorado não sabe o que quer. Em meio a 38 milhões de eleitores, a vontade de 25 000 pessoas é estatisticamente insignificante, apenas 0,07% do total. Foi essa quantidade de votos que deu a vitória a Romano Prodi para a Câmara dos Deputados nas eleições italianas de domingo 9 e segunda-feira 10. No Senado, a vitória foi por apenas uma cadeira. Resultados eleitorais apertados como esse aconteceram na Alemanha, no ano passado, e nos Estados Unidos, em 2000. Todos têm em comum as diferenças sutis entre as propostas dos candidatos, o desinteresse crescente da população por política, o fim da divisão clara entre esquerda e direita e a padronização das técnicas de propaganda eleitoral. A conseqüência natural dessas eleições apertadas são governos fracos e com legitimidade duvidosa para pelo menos metade dos eleitores. Aproveitando-se justamente da fragilidade da vitória da centro-esquerda de Prodi, Silvio Berlusconi, primeiro-ministro desde 2001, não se conformou com a derrota e pediu a recontagem dos votos. Em seguida, disse que o resultado exigia uma coalizão entre a centro-direita, que ele representa, e a centro-esquerda. Prodi rejeitou a proposta, mas a verdade é que seu governo terá dificuldade para aprovar seja lá o que for no Parlamento. Sobretudo no assunto mais quente, as reformas necessárias para sacudir a pasmaceira econômica do país.

O governo da França e o da Alemanha enfrentam problemas semelhantes. O presidente Jacques Chirac foi obrigado a recuar diante dos protestos de estudantes. A coalizão de partidos que dá sustentação à chefe de governo alemã Angela Merkel enfrenta divisões internas. Em comum, esses três países necessitam de reformas estruturais, tarefa dificultada pela fragilidade de sua base de sustentação política. Os europeus estão relutantes entre a necessidade e a coragem para fazer essas reformas, que incluem flexibilizar as leis trabalhistas e reduzir os gastos do Estado com benefícios sociais. Na Alemanha, essa indecisão se refletiu nas urnas: nas eleições do ano passado, os alemães deram uma quantidade virtualmente igual de votos ao chanceler Gerhard Schroeder, social-democrata que enrolou durante sete anos e não fez reforma alguma, e à candidata democrata-cristã Angela Merkel, que prometia ser mais agressiva nesse quesito. Na essência das propostas em jogo na campanha eleitoral na Alemanha – assim como nos Estados Unidos em 2000 e na Itália neste ano – não havia grandes disparidades, apenas uma variação de ênfase.

 

Chris Helgren/Reuters
Prodi: preferido dos italianos, por uma margem de 0,07%

No caso dos países europeus, parte da explicação está no fato de que muitas decisões de poder foram transferidas para a União Européia: a obrigação de controlar o déficit público é um exemplo. Os candidatos não podem fugir muito dessas exigências. "A semelhança entre as propostas se explica também pela tendência de os partidos se desvencilharem da divisão entre esquerda e direita e de confluírem para o centro", diz Paulo Vizentini, professor do curso de relações internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O objetivo da campanha eleitoral é conseguir os votos da massa de eleitores que já não se interessam mais por questões ideológicas.

Na Itália, a disputa acirrada teve um fato inédito: os eleitores que vivem no exterior foram decisivos. Esses oriundi representam uma considerável fatia de 6% do total de eleitores italianos. A maioria dos expatriados votou na oposição, inclusive no Brasil. Dono das três maiores emissoras de TV da Itália e o homem mais rico do país, Berlusconi passou boa parte do mandato tentando se livrar dos doze processos judiciais que enfrenta por evasão de divisas, suborno, fraude fiscal e negócios com a Máfia. Sobraram pouco tempo e pouca disposição para fazer as reformas de que a Itália precisa para deixar de ser o país com o menor crescimento econômico da União Européia. Ciao, Berlusconi.

 

Fotos Ron Edmonds/AP, Markus Gillir/AFP, Giulio Napolitano/AFPe Chris Helgren/Reuters

 

 

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