Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, dezembro 02, 2005

Editorial da Folha de S Paulo

O SACRIFÍCIO DE DIRCEU
A cassação do mandato do deputado José Dirceu é um item relevante da conta paga pelo governo petista para defender o presidente da República de acusações que pudessem desaguar na abertura de um processo de impeachment. Se coube ao ex-tesoureiro Delúbio Soares assumir a responsabilidade operacional pelos desvios cometidos, foi reservado a Dirceu o papel de arcar com a responsabilidade política.
A diferença é que o primeiro se declarou culpado, embora tenha procurado limitar as ilicitudes ao uso de recursos de caixa dois, enquanto o segundo negou a drenagem de dinheiro público e a distribuição sistemática de verbas a legendas e parlamentares aliados. E o fez para não admitir indiretamente a montagem, como disse, de "um esquema de corrupção no país autorizado ou por delegação do presidente".
Pode-se inferir da declaração que o ex-ministro consideraria ainda mais inverossímil o "eu não sabia" de Lula se ele próprio, Dirceu, admitisse conhecimento ou participação no esquema. A Câmara, porém, entendeu que o ex-deputado estava a par das movimentações de Delúbio Soares e do operador Marcos Valério, sem o que os parlamentares não poderiam -ou não deveriam- ter cassado seus direitos políticos.
É essa também a convicção desta Folha, que já havia declarado ser favorável à punição de Dirceu e manifestado, neste espaço, a opinião de que o presidente Lula poderia não saber dos detalhes, mas dificilmente desconheceria por inteiro as gravíssimas situações que foram reveladas à sociedade brasileira.
Com efeito, o presidente tem contado com a boa vontade da oposição que, por conveniência e cálculo político, preferiu evitar um confronto direto, contentando-se em punir o ex-segundo homem do governo.
José Dirceu deixa a cena depois de ter-se defendido com obstinação, dentro das regras democráticas. A decisão da Câmara não encerra a crise, embora possa representar um ponto de inflexão em sua dinâmica. É cedo para afirmar. Fica, depois de tudo, a sensação de que o sacrifício de Dirceu apequenou ainda mais a dimensão política do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

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