FOLHA
Nunca é demais relembrar que, em seu discurso de posse, o presidente Lula enfatizou que seu governo adotaria políticas que enfrentariam as questões sociais do país, reimpulsionariam o crescimento econômico sustentado e atacariam os problemas de desemprego e concentração de renda, que têm sido uma constante na vida brasileira há pelo menos duas décadas.
No entanto, passados quase três anos de seu mandato, 1) o crescimento da economia está longe de ser sustentável, pois ele continua sendo caracterizado por uma dinâmica à la "stop and go", bem como a taxa média do crescimento do PIB no triênio 2003-2005 é da ordem de 2,6% ao ano; 2) a taxa média de desemprego continua sendo de dois dígitos, apesar de ter sido arrefecida 12,3% em 2003, 11,5% em 2004 e 10% em 2005, média até outubro; e 3) os principais programas sociais não deslancharam como todos esperávamos.
Os resultados acima são decorrentes da política econômica implementada pelo governo Lula, que se concentrou 1) na delegação ao Banco Central da operacionalização da política monetária de maneira explicitamente recessiva, conforme sua expectativa de inflação; e 2) no aumento (voluntário) da meta de superávit primário acordado com o FMI, de 3,75% para 4,25% do PIB.
Via de regra, taxa de juros elevada pune as firmas que necessitam de crédito para operar e os trabalhadores que perdem seus empregos quando as firmas passam por dificuldades, mas compensa generosamente os "rentiers".
No período de Lula, essa lógica não tem sido diferente: com taxas de juros básicas (Selic), em termos reais, da ordem de 11,1% ao ano, média do triênio, o setor bancário tem auferido lucros superiores àqueles aos quais se acostumara em governos anteriores. Ademais, altas taxas de juros fazem crescer as despesas governamentais, aprofundando, assim, qualquer desequilíbrio fiscal.
A política fiscal tem sido dominada pelo objetivo de alcançar um superávit primário de 4,25% do PIB, visando, assim, garantir o serviço da dívida pública em mãos do mercado.
Nesse sentido, quando a política fiscal é definida pela geração de superávits primários expressivos, o governo federal não está poupando, mas, sim, desviando recursos de investimentos públicos para a conta de juros. Mais especificamente, entre janeiro de 2003 e outubro de 2005, o valor acumulado do custo de rolagem da dívida pública foi da ordem de R$ 410 bilhões.
As conseqüências dessas políticas permitiram ao governo Lula obter apoio do FMI e dos investidores domésticos e internacionais, o que resultou em significativa melhora do risco-país -atualmente, ao redor de 320 pontos, quando, no início do governo Lula, o referido risco se encontrava próximo a 2.400 pontos- e no aumento do valor de mercado dos títulos brasileiros comercializados nos mercados internacionais.
Por outro lado, a conjuntura externa, tanto em termos comerciais como financeiros, tem se mostrado excepcionalmente favorável. Esse binômio é responsável pelo expressivo saldo comercial (um valor acumulado da ordem de US$ 101 bilhões entre 2003 e 2005), que acabou revertendo os desequilíbrios de transações correntes do país, e pelo ingresso significativo de capitais estrangeiros na conta de capital, mitigando, por conseguinte, a fragilidade financeira externa da economia brasileira.
É importante ressaltar que os resultados no front externo ocorreram a despeito da política de negligência cambial do BC (as taxas médias de câmbio em 2003 e 2004 foram R$ 3,01/US$ 1 e R$ 2,92/US$ 1, respectivamente, ao passo que, em 2005, a taxa média de reais por dólar norte-americano deverá situar-se em R$ 2,45), que alega não ser o câmbio seu problema, mas, sim, do mercado, como se não houvesse efeito transmissor da política monetária sobre a taxa de câmbio.
Em suma, políticas fiscal e monetária contracionistas e valorização cambial têm sido responsáveis pelo pífio crescimento médio do PIB e pelas tímidas inclusão social e distribuição da renda.
O que esperar em 2006? Considerando que Lula e as autoridades monetárias acreditam que não há realmente nenhuma outra política econômica factível a não ser aquelas que vão ao encontro da ortodoxia macroeconômica, é muito pouco provável que, por mais que haja uma ligeira flexibilização fiscal e monetária, com vistas ao processo eleitoral, o desempenho da economia brasileira seja diferente daquele que vem sendo observado nos últimos anos, qual seja: crescimento essencialmente dependente da dinâmica do mercado internacional, risível e volátil.
Se, todavia, o governo Lula quisesse realmente promover o pleno emprego e a inclusão social, políticas de suporte de demanda agregada deveriam ser sinalizadas. Isso significa que não apenas a política monetária deveria considerar explicitamente o objetivo de manutenção da estabilidade do crescimento com a estabilidade monetária mas também que tanto a política fiscal deveria ser reorientada para privilegiar a expansão do investimento público, em vez do serviço da dívida, como a taxa de câmbio deveria ser menos volátil, não introduzindo, assim, incertezas e inseguranças na decisão do investimento, condição imprescindível para despertar o "animal spirits", como diria Keynes, dos empresários.
Fernando Ferrari Filho, 48, doutor em economia pela USP e pós-doutorado em economia pela Universidade do Tennessee (EUA), é professor titular do Departamento de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).