Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 24, 2005

2006 não será 2002 GESNER OLIVEIRA

FSP


Há 12 meses, havia grande expectativa em relação ao desempenho da economia em 2005 e tranqüilidade em relação a 2006. Do ponto de vista do governo, 2005 seria um ano de crescimento e avanço na agenda do Congresso e 2006 consagraria o projeto de reeleição. Como se sabe, depois disso veio o tsunami. O quadro político foi radicalmente alterado, mas há boas razões para supor que 2006 vá ser um ano mais estável do que 2002.
O ano de 2002 foi marcado por uma explosão do risco. Havia uma grande dúvida acerca daquilo que poderia representar para a economia a alternância de poder no plano político. O prêmio de risco chegou a 2.443 pontos, superior ao da Turquia. Em contraste, o risco nesta semana declinou ao mínimo histórico de 303 pontos. As previsões para 2006 indicam uma média de 350. Não há mais tanta apreensão em relação aos possíveis cenários para a economia em decorrência do resultado das eleições presidenciais.
Por sua vez, o cenário externo parece mais estável. Em 2002, havia mais incerteza em relação à trajetória da taxa de juros nos EUA e a suposto efeito de contaminação da crise Argentina sobre o Brasil. Tais problemas não se materializaram. Neste final de 2005, os prognósticos para a economia mundial são cautelosos, mas preponderantemente otimistas. Tome-se, por exemplo, a ata do Copom, divulgada nesta quinta-feira: "A despeito de persistirem incertezas relevantes na economia mundial, como as preocupações acerca da evolução da inflação nos EUA e na zona do euro, o Copom permanece atribuindo baixa probabilidade a um cenário de deterioração significativa nos mercados financeiros internacionais". Trocando em miúdos, ninguém espera um tsunami.
Em 2002, a apreensão do mercado repercutiu na taxa de câmbio, e o dólar bateu em quase R$ 4 (R$ 3,95), fechando dezembro daquele ano em R$ 3,53. Ninguém espera trajetória semelhante para o dólar em 2006. As expectativas de mercado apontam para um dólar em torno de R$ 2,42 em dezembro de 2006.
A inflação responde a oscilações na taxa de câmbio. Em 2002, o ritmo de aumento dos preços chegou a nível preocupante, superior a dois dígitos (de 12,5%). A apreciação do câmbio explicou a maior parcela da desaceleração da inflação em 2005. Assim, pelo lado do câmbio, não se espera uma pressão inflacionária forte em 2006. As expectativas de mercado estão próximas à meta do Banco Central de 4,5%.
O clima de instabilidade e a queda da renda real em virtude da aceleração inflacionária comprometeram o desempenho do PIB em 2002 (de 1,92%). Isso não deve ocorrer na mesma escala no próximo ano. As projeções indicam crescimento modesto em 2006, de 3,5%. Esse número está aquém do desejado, porém é superior à expansão estimada para 2005, de 2,5%.
Em 2002, a política monetária do Banco Central reagiu à aceleração da inflação, elevando a taxa de juros. A trajetória de alta começou no mês do primeiro turno das eleições presidenciais. A autoridade monetária continuou a elevar os juros nos meses seguintes, fazendo a Selic chegar a 25% em dezembro daquele ano. Em contraste, o candidato do governo, que muito provavelmente será o presidente Lula, espera boas notícias em relação à política monetária. A expectativa é a continuidade na redução da taxa de juros, dos atuais 18% para 15% em dezembro de 2006.
Note-se, contudo, que em ambos os períodos a taxa real de juros manteve-se alta. Apesar do declínio da Selic, tal indicador encontra-se próximo de 13% reais, mantendo liderança isolada no campeonato dos juros altos no mundo.
Ainda não se logrou crescimento sustentado para a economia brasileira. O nível de expansão permanece baixo. Mas o grau de instabilidade parece menor. É possível fazer contas domésticas e planejar o orçamento de uma empresa em 2006, mesmo sendo um ano eleitoral.
Mas é preciso estar alerta. As grandes crises ocorrem sem aviso prévio. Ontem, fiquei impressionado com o relato de João Sombra, um velejador de Maceió que navegava pelo mundo em busca de tranqüilidade e nesta mesma época do ano passado estava próximo à ilha de Sumatra, um dos locais mais afetados pelo tsunami. Antes de a grande onda passar, ele pensava como a região era paradisíaca. Sombra escapou milagrosamente da catástrofe. Restaram o alívio e a insegurança de que um abalo sísmico pode ocorrer a qualquer momento. Essa sensação parece familiar a todos os brasileiros que viveram sobressaltos da economia nas últimas décadas.

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