Entrevista:O Estado inteligente

domingo, dezembro 25, 2005

CELSO MING De três em três

OESP


Esta coluna, que tratou o ano inteiro de economia, finanças, dinheiro – essas coisas tão materialistas, embora imprescindíveis –, pede licença para sair um pouco dessa rotina.

Natal sugere tanta coisa. Tomo o tema dos Reis Magos. Diz a lenda que eram três, um de cada continente então conhecido. Gaspar vinha da Ásia; Merquior, da Europa; e Baltazar, da África. Curiosamente, na Itália o nome Merquior derivou para Américo e assim se chamou o navegador Américo Vespuccio, que deu nome ao continente encontrado por estas bandas.

Os três Reis Magos, dos três continentes, levaram três presentes ao menino Jesus (incenso, mirra e ouro), e isso puxa considerações sobre o número três. Aviso que isso nada tem a ver com numerologia ou algo assim.

Os mitos, as histórias infantis, os contos de fadas e a literatura estão impregnados de números. Pode ser o número um, o quatro, o sete, o doze, cada qual com seu significado, porque ninguém vive sem significados.

O ensaísta George Steiner conta que pesquisadores russos fizeram um levantamento e concluíram que, no mundo das letras e dos costumes, nenhum número aparece mais do que o três.

Além dos três Reis Magos, já citados, são três fontes, três cestos, três noivas, três cavalheiros, três macacos (aqueles do não vejo, não falo, não ouço), as três graças (que os gregos chamavam Cárites), os três mosqueteiros (que eram quatro), as três marias, os três vinténs da ópera de Bertolt Brecht e não nos esqueçamos do inesquecível chapéu de três bicos. Os irmãos Karamazov, de Dostoiévski, eram também três, e isso lembra a Rússia e sua conhecida tróica, tão presente nos contos daqueles povos, que é originalmente um trenó enorme puxado por três cavalos e depois passou a significar um governo partilhado por três dirigentes.

Podemos falar ainda dos três patetas, dos três porquinhos, dos três Irmãos Metralha e dos três sobrinhos de Tio Patinhas. Toda novela há de ter ao menos um triângulo amoroso. O leiloeiro ao bater o martelo diz: "Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três." Como há uma infinidade de três nessas e em tantas histórias, não dá para citar todos. Convém terminar o parágrafo com reticências, também conhecidas como três pontinhos...

E o que dizem esses relatos, tanto os que levam três como os que assumem qualquer outro número? O crítico e também poeta Robert Graves resume tudo como "narrativas de busca".

É a busca de algo que falta, desde que gente é gente: a felicidade, o amor, a verdade, a justiça, a sabedoria, a saúde, a ciência, a paz, a volta ao lar, o prazer, o dinheiro, o poder, a amizade, a graça de Deus.

E, se formos mais fundo, vamos dar na busca que cada um empreende de si mesmo – ou não empreende e, nesse caso, vai-se ver, está fugindo desse encontro.

Dessa busca já falava a frase que os sete sábios mandaram gravar em relevo no frontispício do templo de Apolo em Delfos: "Conhece-te a ti mesmo."

Essa busca essencial é de todo momento, de todos os dias, do ano inteiro, de tantos Natais, de toda uma vida... É a busca sem-fim, como números que tendem ao infinito. De qualquer forma, a gente sempre pode (re)começar a busca interior, não importa em que ponto estejamos.

Nas brincadeiras de esconde-esconde uma criança sempre tapa a cara para não ver como as outras se escondem. E, quando parte em busca dos escondidos, diz para que todos ouçam: "Um, dois, três, lá vou eu."

Por que não seguir tentando a brincadeira em 2006 e – um, dois, três – sair atrás das crianças escondidas dentro de nós?


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