Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, dezembro 29, 2005

Editorial de O Estado de S Paulo

editorial
O Estado de S. Paulo
29/12/2005

C ausa espanto a súbita preocupação do presidente Lula com as condições da malha rodoviária federal. É preocupação aparentemente tão intensa que o levará a editar uma medida provisória - que só deve ser usada em casos de urgência e relevância - para decretar estado de emergência com a finalidade de recuperar 10 mil quilômetros de estradas.
As rodovias brasileiras sob responsabilidade federal estão em mau estado há muito tempo. Disso sabe qualquer brasileiro que por razões profissionais, familiares ou de lazer tenha percorrido algumas centenas de quilômetros, às vezes nem isso, dessas estradas. Mesmo quem não tenha utilizado a malha rodoviária federal sabe de seu péssimo estado pelos meios de comunicação. E o governo Lula, já no fim de seu terceiro ano, deveria saber disso melhor do que ninguém. É assustador, para o cidadão e para o contribuinte, constatar que só agora o presidente descobriu isso.

Relatórios bastante precisos sobre a situação das rodovias brasileiras são, ou deveriam ser, do conhecimento do governo. O mais recente deles, divulgado em setembro pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT), baseado em pesquisa realizada pela entidade em 81,9 mil quilômetros de estradas (federais, estaduais e sob concessão), constatou que 72% desse total (59 mil quilômetros) apresentam algum grau de imperfeição, 32% (26 mil quilômetros) foram considerados deficientes, 22% (18 mil quilômetros) ruins e 18% (15 mil quilômetros) péssimos.

O relatório da CNT, na verdade, apenas confirma um quadro bem conhecido dos brasileiros que viajam por rodovias. Mas o presidente só ficou sabendo disso agora. De acordo com o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, o presidente "está muito preocupado" com a situação de algumas rodovias e com as notícias sobre estradas esburacadas.

Parece que, afinal, despertou. Antes tarde do que nunca.

Essa tardia preocupação presidencial, entretanto, deve ser vista com cautela. É no mínimo estranho que a decisão sobre um programa rodoviário de emergência tenha sido tomada sem que sobre ela se manifestasse o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, que estava em recesso de Natal e assim continuou.

A maneira como o governo anunciou o programa e o momento escolhido para fazê-lo, por sua vez, sugerem menos uma ação articulada da qual pode resultar benefícios para a população do que um ato de oportunismo político-eleitoral. Ao tentar conferir ao problema rodoviário, velho conhecido de boa parte dos brasileiros, um caráter de emergência, o governo busca mostrar eficiência e capacidade de reação rápida. Ao escolher os últimos dias do ano para colocar máquinas nas estradas, quer impressionar os que saem em viagem de férias.

O uso de medida provisória tem igualmente a finalidade de mostrar presteza na ação, mas pode esconder outros objetivos. A decretação de estado de emergência, por meio de medida provisória, é um meio para escapar das regras da Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, que estabelece as normas para licitações e contratos de obras, serviços, compras, alienações e locações no setor público. Quando na oposição, o PT considerava esse tipo de prática sinal evidente de malversação do dinheiro público.

O caso das estradas é apenas mais um que mostra um governo movido pela fúria da gastança. Por ordem do presidente, os ministros devam gastar todo o dinheiro que lhes foi reservado no Orçamento de 2005 mas que ainda não estava empenhado. Trata-se de uma conta estimada entre R$ 13 bilhões e R$ 14 bilhões. Desse total, R$ 3,5 bilhões referem-se a obras de infra-estrutura.

Trata-se de despesas que só serão quitadas em 2006. Não é uma prática irregular. Mas é reveladora dos métodos do governo. Esse dinheiro, por pressão do Ministério da Fazenda, preocupado em obter superávits primários expressivos, ou por incompetência dos demais Ministérios, não foi aplicado de maneira regular e sistemática ao longo do ano, como recomenda a boa prática administrativa. Está sendo liberado nos últimos dias do ano e constituirá a conta de "restos a pagar", ou seja despesas empenhadas mas não pagas num exercício e que só serão liquidadas no exercício seguinte. Isso significa que, com ou sem a aprovação do Orçamento de 2006 pelo Congresso, o governo disporá de muito dinheiro para gastar nos primeiros meses do próximo ano.

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