Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 24, 2005

VEJA Tales Alvarenga O nosso Muro de Berlim


"O pensamento da esquerda juvenil é
nebuloso porque seus defensores não se
atrevem a explicar claramente o que
querem. A idéia é voltar ao século XVIII,
para fazer ressurgir seus tipos mitológicos
como o homem puro, solidário, fraterno, o
homem que, no imaginário esquerdista,
foi trucidado pelo capitalismo"

Este foi o ano em que o Muro de Berlim desabou no Brasil, com dezesseis anos de atraso. Devemos ao PT a produção do feliz acontecimento. Frei Betto, um esquerdista religioso pré-moderno, diagnosticou o fenômeno em uma frase. "O PT desmoralizou a esquerda", disse ele. Foi mais do que isso. O PT desmoralizou as esquerdas, no plural, todas elas.

A esquerda tradicional, marxista, racional, foi derrotada na Europa, a partir de meados do século passado. Rastejou sobre os próprios escombros até 1989, quando a derrubada do Muro de Berlim significou a retirada dos tubos que a mantinham vegetando na UTI. Essa esquerda advogava a centralização do planejamento econômico em benefício de uma sociedade mais eficiente. Perdeu a disputa.

A velha esquerda racional teve seus defensores tardios no Brasil. O candidato a presidente Lula, nas suas primeiras tentativas eleitorais, pregava a estatização do sistema financeiro e reprovava as privatizações.

Montagem com fotos AP, Valdemir Cunha e John Gaps III/AP


Essa esquerda que venera Marx, admira o gênio de Lenin e chamava Stálin de papai até a década de 50 foi desidratada no Brasil quando o candidato Lula, para não perder a quarta eleição, em 2002, renunciou à visão bolchevique de seu partido e se comprometeu a seguir as regras das economias de mercado.

As esquerdas que sobreviveram à queda do Muro de Berlim foram outras. São aquelas que se reúnem anualmente no Fórum Social de Porto Alegre, que querem apedrejar a globalização onde quer que representantes do grande capital se reúnam, que atacam a soja transgênica e rezam com fanatismo no missal ambientalista. Essas esquerdas também foram baleadas pelo PT quando o único grande partido de esquerda do país as decepcionou deixando claro que sua pregação ética não passava de hipocrisia.

Ao contrário da vertente marxista, esse tipo de esquerda juvenil não apenas combate a economia de mercado como também refuta a própria idéia do raciocínio econômico, como mostra o ensaísta americano Irving Kristol, num ensaio premonitório de 1973. É a essa esquerda que podemos atribuir a guerra a moinhos de vento como o neoliberalismo ou a globalização. Essas expressões traem um ódio difuso à racionalidade econômica que passou a vigorar como uma das estacas filosóficas das sociedades burguesas a partir da Revolução Industrial.

O pensamento dessas esquerdas é nebuloso porque seus defensores não se atrevem a explicar claramente o que são e o que querem. E o que defendem e não podem confessar é o impulso de volta à simplicidade da era pré-capitalista, ao mundo sem a teia global das finanças, da produção industrial e do comércio. A idéia subjacente é voltar ao século XVIII, para fazer ressurgir do pó seus tipos mitológicos como o homem puro, solidário, fraterno, sem ganância, sem egoísmo, o homem que foi trucidado pela malícia capitalista.

Essa esquerda juvenil também foi decepcionada pelo PT, quando o maior partido de esquerda no Brasil saiu da oposição, da cátedra e da imprensa para tomar um lugar no centro do poder.

O PT se comportou como uma turma de arrivistas vulgares quando tentou fundir corpo e alma do partido com o Estado. Não por uma questão de eficiência, que fique claro. O aparelhamento do Estado foi feito para saciar a sede mesquinha de arranjar uma vaga em repartição pública e exibir poder para os compadres embasbacados. O PT espalhou seus militantes, muitos deles de desumana incompetência, por milhares de cargos de confiança.

A coroação da obra petista veio na forma da maior roubalheira sistemática a que o país já assistiu. O Brasil saiu diferente desse encontro com o PT em 2005. Nunca mais será tão ingênuo. O nosso Muro de Berlim finalmente ruiu.

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