"Contava com fracasso; com roubo, não"
DA REPORTAGEM LOCAL
A seguir, o poeta e crítico de arte Ferreira Gullar fala do governo Lula, da gestão de Gilberto Gil no MinC (Ministério da Cultura) e do que chama de "sucesso do comunismo":
GOVERNO LULA - Eu não votei em Lula, primeiro ponto. Havia muito tempo que não acreditava que o PT fosse um partido capaz de governar o Brasil de maneira a atender aos interesses da maioria do povo brasileiro, um partido que se comportou, votou durante todo tempo contra tudo...
Foi contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, uma coisa revolucionária na sociedade brasileira, a chave do equilíbrio financeiro do país. É a lei que está mantendo Lula aí, a política econômica do governo Lula, mas foi contra, denunciando, botou o nome nas praças de quem votou a favor dessa lei, dizendo que era uma traição nacional. Foi contra o Fundef, lei que revolucionou o ensino fundamental...
Depois, o Lula disse: "Não sou a favor de o Brasil assinar o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares. Sou contra". Quando nós brigarmos com os Estados Unidos, como vai ser? Nós de atiradeira, eles de bomba atômica? Não posso votar num cara desses, espera lá... Não se trata desse negócio de falar errado, não se trata disso. É outra coisa. Eu não chamo para dirigir o meu time como técnico um cara que não entenda de futebol. Vou chamar para dirigir a minha empresa um cara que não entenda de administração?
Sinceramente, eu sei que não é o presidente que decide tudo, mas o que está acontecendo aí não é por acaso. Tem coisas que surpreenderam a todo mundo, inclusive a mim, que é a corrupção. Aí, realmente, com essa eu não contava. Eu contava com um fracasso administrativo, agora, com roubo, realmente, eu não contava.
GILBERTO GIL - Não me envolvo diretamente, ou acompanho. Mas ouço reclamações de diferentes áreas de que não está cumprindo bem seu papel. Não faço projetos, não experimento diretamente. Dizem que os projetos não andam. Nem solicitações de verbas. Houve centralização que não sei se continua. E propor o Conselho de Jornalismo foi uma coisa sem pé nem cabeça. Gilberto Gil defendeu aquilo depois.
Lula, quando era candidato, prometeu criar Casas de Cultura em todos os municípios. É visão errada que o governo faz da cultura. Governo tem de dar respaldo para e não inventar Casa de Cultura. Felizmente, não se falou mais nisso.
COMUNISMO - A utopia do socialismo, da sociedade sem classe, acabou. Foi uma coisa fundamental, revolucionou o mundo. A sociedade não é a mesma antes e depois de todo esse processo, com erros, com tudo o mais. Mas a verdade é que todo esse processo mudou a relação capital-trabalho no mundo. As reivindicações da classe operária foram atendidas em grande parte.
Gente, antes desse movimento o homem trabalhava 15, 16, 18 horas e não tinha direito algum, morria trabalhando, criança trabalhando com dez, 12 anos, morria tuberculosa. Então, a Previdência Social foi criada depois da Revolução Russa de 1917. Quer dizer, "os comunistas vem aí, vamos tratar de conceder aos trabalhadores alguma coisa, senão eles vão terminar nos fritando".
Eu estava relendo outro dia o "Manifesto Comunista", que termina com sete reivindicações. E eu verifiquei que todas as sete foram atendidas. Estão, hoje, praticamente em todos os países do mundo, à exceção de alguns muito pouco desenvolvidos, muito pobres, mas todas as outras reivindicações foram, de certo modo, atendidas.
Ensino universal, criação de um Banco Central para controlar a economia, reforma agrária e todas essas coisas foram postas em prática, atendidas plenamente em alguns lugares e, em outros, postas em prática, ou estão em curso.
Mentor do neoconcreto fala sobre arte e política na Sabatina Folha
Ferreira Gullar ilumina sua poesia
Fernando Donasci/Folha Imagem | O poeta Ferreira Gullar, centro da 10ª Sabatina Folha |
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando indagado na rua por leitores e fãs se ele é mesmo o poeta Ferreira Gullar, o homem magro, de pele vincada e óculos de grau, cabeleiras brancas e vastas divididas ao meio como de um índio de western americano, responde: "Às vezes".
Pois anteontem à tarde, por duas horas, durante a décima e última Sabatina Folha deste ano, o poeta, escritor e colunista maranhense José Ribamar Ferreira, 75, estava mais Ferreira Gullar do que nunca.
Irreverente, disposto, "pirado", para usar uma palavra cara à sua fala, Gullar falou de vanguarda ("Ainda estão me devendo"), rememorou sua aproximação e seu rompimento com o concretismo ("Eu não queria saber de movimento nenhum") nos anos 50, sua militância política nos anos 60 e o exílio na década posterior, criticou o governo Lula ("Uma empulhação") e a gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura ("Houve centralização") e defendeu o comunismo ("Estava relendo o Manifesto Comunista, que termina com sete reivindicações, e verifiquei que todas foram atendidas").
Mas, para o público que o assistia no Teatro Folha (localizado no shopping Higienópolis, na região central de São Paulo), o poeta, principalmente, traduziu-se ao jogar luz sobre a profissão que escolheu. Ou melhor, sobre a profissão que o escolheu, pois "você nasce poeta", segundo afirmou Gullar: "Como disse Noel Rosa, samba não se aprende na escola".
Apagão
A iluminação teve sentido literário e literal. O literário: Gullar é testemunha viva e personagem atuante do último meio século de poesia no Brasil, em que começou com os modernistas, ajudou a fundar o movimento concretista, a partir de "A Luta Corporal" (1954), com o qual depois romperia para encontrar veios próprios, cujo achado mais importante seria o seminal "Poema Sujo", que faz 30 anos no ano que vem.
O literal: na última meia hora da conversa -da qual participaram os colunistas da Folha e colegas de Gullar (que assina uma coluna dominical nesta Ilustrada) Nelson Ascher, Pasquale Cipro Neto e Manuel da Costa Pinto, o professor de história da cultura da USP Nicolau Sevcenko e o público, por meio de perguntas-, o shopping ficou às escuras.
De acordo com a Eletropaulo, partes da cidade naquele momento ficaram sem luz por problemas na subestação Pirituba.
Acabou a eletricidade no meio do sarau, como a evocar o poema futurista "Ode Triunfal", de Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa (1888-1935), em que se lê: "Eia, eletricidade, nervos doentes da Matéria!". Pois foi no breu que Ferreira Gullar terminou de ser sabatinado.
Frasista, exortou que se tentasse "a maravilha, porque a vida não basta". Sincero, revelou pensar sempre a seu favor.
Foi aplaudido pelo público, que ficou até o final, à luz de placas de saída de emergência e da fala de Gullar, que chegou a declamar um poema inédito, "O Duplo", reproduzido aqui: "Foi-se formando/ a meu lado/ um outro/ que é mais Gullar do que eu/ que se apossou do que vi/ do que fiz/ do que era meu/ e pelo país flutua/ livre da morte/ e do morto (...) mas sem o peso/ do corpo/ que sou eu/ culpado e pouco".
O NEOCONCRETISMO
DA REPORTAGEM LOCAL
A polêmica cizânia com os concretistas Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari, que em 1958 levou à publicação do "Manifesto Neoconcreto", no "Jornal do Brasil", assinado por Ferreira Gullar, entre outros, voltou à baila na fala do poeta.
Gullar lembrou que fora procurado pelo trio paulista após a publicação de "A Luta Corporal", em 1954, e disse que o movimento nasceu em parte por causa de um amigo seu, Oliveira Bastos, crítico literário.
"Ele virou para mim e disse: "Sabe o pessoal de São Paulo que fez contato contigo? Eles querem agora lançar um movimento da poesia concreta". Mas eu disse que não queria saber de movimento nenhum", disse Gullar, reputando ao encontro de Bastos com os concretistas a redescoberta do escritor maranhense Sousândrade (1833-1902), considerado uma "antecipação" modernista pela vanguarda paulista.
"Ele [Bastos] falou do Sousândrade para o Haroldo e o Augusto, que eram pessoas cultas e interessadas e que foram atrás desse poeta estranho. Se o Sousândrade se tornou atual e a sua obra foi reestudada, isso se deve a eles. Eu confesso que não gosto, acho meio chato."
Gullar, que em 1957, após participar da 1ª Exposição Nacional de Arte Concreta, discordou da publicação do artigo "Da Psicologia da Composição à Matemática da Composição", dos concretistas, chegando a redigir uma resposta, "Poesia Concreta: Experiência Fenomenológica", lembrou em que divergia com a proposta do grupo:
"Augusto falava de um novo verso, e eu, de uma nova sintaxe. Eu tinha destruído a sintaxe e para mim não havia novo verso. Aí Augusto disse que minha posição era de certo modo destrutiva, da linguagem usual, enquanto a deles era construtiva". O resultado, sustentou Gullar, foi que o grupo paulistano propôs um poema a partir da pintura concreta, com o nome adotado da experiência dos artistas plásticos.
"E esta poesia é construída geometricamente, no que prevaleceu de algum modo a minha proposta, porque não se tratava de um novo verso, mas de uma nova sintaxe. Então a sintaxe escolhida é visual e não verbal."