Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, dezembro 28, 2005

Merval Pereira A turma do mensalão

O GLOBO

A crise em que o país vive há mais de seis meses parece ter anestesiado o senso crítico dos políticos, que poucas vezes como nos últimos tempos enfrentam a ira dos cidadãos com atitudes despudoradas, como se não temessem as conseqüências de seus atos. Há fatos graves, como a absolvição em plenário da Câmara do deputado Romeu Queiroz, usuário confesso do valerioduto. E fatos folclóricos, mas nem por isso menos agressivos ao cidadão comum. Um exemplo desses é o prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia. Em entrevista de fim de ano, atribuiu a pouca receptividade que sua candidatura a presidente está tendo a desgastes como o provocado pelo lançamento de sua pré-candidatura logo após ter sido reeleito no primeiro turno, colocando-o no mesmo patamar da crise da saúde e da favelização da cidade.

Na mesma entrevista, Cesar Maia mostrou que sabe fazer diagnósticos, mas não aprendeu nada: anunciou que passará o reveillon em Nova York e o carnaval em Lisboa. Maia acha normal passar longe daqui as duas principais datas da cidade que dirige.

O exemplo mais genérico é o espetáculo do Congresso vazio, apesar da convocação extraordinária que dará a cada parlamentar cerca de R$ 100 mil. O presidente da Câmara, Aldo Rebelo, resistiu muito a aceitar a convocação, temendo o desgaste dos políticos com a opinião pública.

Mas fazer a convocação extraordinária sem sessão plenária é aumentar a percepção do eleitorado de que os políticos só cuidam de seus interesses, lembrando-se dos eleitores apenas às vésperas das eleições.

A atual legislatura é considerada a mais fraca dos últimos anos, e não apenas pela baixa qualidade dos políticos. A produção legislativa da Câmara foi abaixo da média da última década, e se aumentou a participação de deputados e senadores na produção legislativa do Congresso, isso aconteceu apenas por que o Executivo reduziu sua fúria legiferante diante da crise política em que está envolvido.

Segundo o site Congresso em Foco, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reduziu à metade a edição de medidas provisórias e leis sancionadas este ano, em comparação com 2004, e, por tabela, amenizou o desequilíbrio entre Executivo e Congresso na produção legislativa. Das 139 leis federais que entraram em vigor em 2005, 37 (26,6% delas) foram propostas por deputados ou senadores, enquanto no ano passado, apenas 17 (6,7%) das 275 normas jurídicas elaboradas foram iniciativa de parlamentares.

A edição de medidas provisórias caiu de 73 no ano passado para 36 até ontem. Mas a inocuidade da atividade parlamentar pode ser atestada nesse dado levantado pelo Congresso em Foco: das 37 leis que entraram em vigor este ano por iniciativa dos congressistas, 23 prestam homenagem a personalidades, dando nome a pontes, portos e rodovias, ou estabelecem datas festivas.

Crescem na opinião pública duas campanhas simultâneas e contraditórias entre si: a pelo voto nulo, e a da renovação total do Congresso, num apelo para que não se vote em quem tem mandato. Votar nulo é a denúncia da inutilidade do Congresso, o que é perigoso para a democracia.

Embora seja muito difícil de acontecer, existe a previsão no Código Eleitoral, em seu artigo 224, de que se mais da metade dos votos forem nulos, será convocada nova eleição de 20 a 40 dias depois. O que não está estabelecido, e dependerá de interpretação do Tribunal Superior Eleitoral, é se todos os candidatos que concorreram ao primeiro pleito teriam direito a concorrer à nova eleição.

Já a negação total dos que têm mandato nivela todos por baixo, e traz embutida a idéia equivocada de que a renovação total pode melhorar o perfil político do Congresso. Há no Congresso um grupo de deputados e senadores que pretende propor aos líderes partidários e à Mesa Diretora uma "agenda positiva" com diversos pontos, entre eles a votação em plenário ainda nesta convocação extraordinária da redução do recesso parlamentar para 40 dias, e o não pagamento de salário-extra nas convocações extraordinárias. Mas apenas cerca de 20 deputados já abriram mão do pagamento da convocação extra, prerrogativa que está à disposição de qualquer um deles.

Também estão na lista de reivindicações dos que querem dar uma explicação pública ao eleitor, a aprovação de regras definitivas para todo e qualquer reajuste de remuneração na Casa, que somente valeria para a legislatura seguinte; a vedação do nepotismo; uma nova regulamentação para plebiscitos e referendos, e a revisão do papel da Corregedoria da Câmara, para evitar que o corporativismo predomine na análise de processos contra deputados.

Dificilmente essa lista será aprovada integralmente. E os parlamentares não poderão se queixar quando aparecerem como personagens em músicas do próximo carnaval sobre o mensalão, ou forem retratados como Judas na Semana Santa, junto com os delúbios, os valérios, os sílvios pereiras. Todos identificados aleatoriamente como "a turma do mensalão"

O pagodeiro mais popular do país, Zeca Pagodinho, já lançou uma música chamada "Comunidade carente", de rara agressividade contra os políticos. Um personagem diz que mora em uma comunidade carente e que vive muito mal, mas está "de saco cheio de caô (mentiras)". E diz que a comunidade já comprou "vara de marmelo, arame farpado e cipó-camarão" para "dar um pau" no primeiro candidato que aparecer por lá para fazer promessas.

Faz sucesso também na internet a música "Festa de arromba do mensalão", de Maurício Ricardo, no site charges.com.br. Numa paródia da música de Roberto e Erasmo Carlos, a letra diz assim em certa parte: "Veja só que festa de arromba/

Fez a turma do mensalão/ Pra festejar os saques aos cofres da União/ E dividir a grana que roubaram do povão/ Na porta me barraram/ e só fui liberado/ Porque alguém achou que eu era deputado/ Hei! Hei! Que onda, que festa de arromba!"


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