Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, novembro 16, 2005

ZUENIR VENTURA O medo da espanhola

O GLOBO

Os que estão acima de uma certa idade, bem acima, foram criados com a memória do medo de um fantasma que algumas décadas antes, em 1918, apavorara o mundo. Era chamada de "a espanhola", e um simples espirro podia significar um começo de pânico de que ela estivesse voltando, ela, a pavorosa gripe, a maior pandemia da História moderna, que dizimou mais de 20 milhões de pessoas no planeta, o equivalente a quase três vezes o número de mortos na I Guerra Mundial.


Só no Rio, morreram 17 mil pessoas em dois meses, inclusive o presidente Rodrigues Alves. Embora chamada de "gripe espanhola" por ter desembarcado aqui com imigrantes vindos da Espanha, a praga surgiu nos EUA, em Kansas, num chiqueiro de porcos. É provável que os animais tenham se alimentado com dejetos de aves e transmitido o vírus para alguém que comeu a carne suína.

E não é que me voltou aquele medo infantil ao ler que pesquisadores americanos acreditam que o vírus da gripe aviária de agora seria da mesma espécie daquele de 1918? Ao realizarem o trabalho de reconstituição, partindo de material encontrado em solo gelado — tecido do pulmão retirado de dois soldados e de uma mulher esquimó — eles teriam descoberto algumas características idênticas entre as duas gerações, a de ontem e a de hoje. Em outras palavras, o inimigo seria um só. O problema é saber quem é ele e onde costumava se hospedar. "Qual é essa ave e onde vive?", pergunta um cientista. "Talvez o vírus esteja em pombos ou em aves canoras", ele suspeita.

Ainda não refeito do susto, sou informado por outra publicação que o H5N1, o responsável pela onda de agora, pode sim infectar os pombos comuns, esses que se encontram na minha e provavelmente na sua casa, assim como em toda parte de qualquer cidade: em praças, varandas dos apartamentos, terraços e praias. O que é mais grave: a possibilidade de terem sido atingidos pela epidemia já existe. Há três anos, em Hong Kong, um deles morreu vítima do H5N1. Se já não fosse suficiente, foi detectado que dois outros freqüentadores de nossas cidades também são passíveis da letal contaminação: os pardais e as gaivotas.

Pode ser que sejam especulações alarmistas ou que a minha ignorância não tenha entendido direito o que leu, tomara que seja isso. Mesmo assim fiquei com um gosto de apocalipse na boca, lembrando minha mãe, muito religiosa, invocando seus santos e dizendo que a "espanhola" e outros flagelos estavam previstos na Bíblia. Ela só não me avisou que haveria de chegar o tempo em que, entre todos aqueles que voam, os que ainda iriam oferecer menos perigo seriam os aviões de carreira.

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