Entrevista:O Estado inteligente

domingo, novembro 20, 2005

A questão do superávit primário JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN

FSP


Nas últimas semanas, os críticos da política econômica concentraram-se no superávit primário. Argumentam [ ] que a política fiscal atual restringe os investimentos públicos e os programas sociais necessários para diminuir a desigualdade.
Parece que esses analistas ignoram que o setor público coleta anualmente cerca de 37% de tudo aquilo que é produzido no Brasil. Mesmo se o superávit primário chegar a 5% do PIB, restam 32% do PIB que são gastos com transferências, consumo e (muito pouco) com investimento. Poucos países do nível de desenvolvimento do Brasil ou mesmo mais ricos atingem frações semelhantes ao nosso quase 1/3 do PIB de gastos públicos.
Governos de outros países, como a Coréia do Sul, apropriam-se de uma menor porcentagem da produção nacional e ao mesmo tempo têm taxas elevadas de investimentos em infra-estrutura e cumprem as tarefas essenciais do Estado, tal como garantir a segurança das pessoas, financiar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico e prover educação de boa qualidade para as crianças das famílias menos prósperas.
A ministra Dilma Rousseff afirmou, em entrevista ao "Estado de S. Paulo", que "despesa corrente é vida: ou você proíbe o povo de nascer, de morrer, de comer ou de adoecer ou vai ter despesas correntes". É verdade, mas o povo da Coréia do Sul comia melhor e tinha mais saúde, mesmo quando era mais pobre que o Brasil de hoje, apesar de o governo daquele país gastar uma menor proporção do PIB com despesas correntes. A nossa má qualidade da educação e saúde pública ou o pequeno efeito dos gastos governamentais na desigualdade não resultam do baixo nível de despesas correntes, mas de gastos públicos mal focalizados.
No Brasil, a carga tributária é muito alta, sobretudo para aqueles que cumprem a lei. Os altos impostos distorcem os incentivos à produção e induzem à informalidade. Por sua vez, a informalidade deprime a produtividade e aumenta a corrupção. O nível atual de superávit primário tem um papel crucial na manutenção da estabilidade econômica, mas, quando for possível diminuí-lo, a prioridade deve ser baixar impostos, em vez de dar aos políticos novas oportunidades para desperdiçar o que arrecadam dos contribuintes.
Desde o começo do atual governo, a equipe econômica compreendeu que o superávit primário não é uma questão de curto prazo e que era preciso tomar medidas para controlar as despesas correntes no longo prazo. A reforma da Previdência teve pouco efeito imediato, mas contribuirá para o equilíbrio fiscal futuro. A proposta de que as despesas correntes cresçam menos que o PIB por pelo menos uma década permitirá elevar os investimentos públicos e, ao mesmo tempo, diminuir a carga tributária.
Governos no mundo inteiro sucumbem à tentação de aumentar despesas correntes em vésperas de eleição. Morando nos EUA, onde o populismo de direita de George W. Bush destruiu o equilíbrio fiscal de longo prazo herdado do governo Clinton, tenho ainda mais razões para admirar os ministros Paulo Bernardo e Antonio Palocci Filho por proporem, pouco mais de um ano antes das eleições, um maior controle das despesas correntes.
A meia dúzia de leitores assíduos desta coluna conhece bem os meus argumentos contra a política monetária atual. As extraordinárias taxas de juros reais têm um custo fiscal vultuoso que um dia teremos todos que pagar. Mas, na questão do superávit primário, a política atual é a necessária. Só resta torcer para que os ministros da área econômica prevaleçam sobre alguns de seus colegas mais interessados em questões eleitorais.

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