O GLOBO
Numa entrevista recente ao "Jornal do Brasil", entre uma e outra marretada na imprensa — esporte que ele aprecia —, Caetano Veloso diz coisas sensatas: que votou no atual presidente meio a contragosto, mas que o Brasil precisava eleger Lula: "Precisava botar isso pra fora, senão ficaria ingovernável. A esquerda criaria problema, diria que tudo era política econômica entreguista, de direita."
Faz sentido. Por conta do mandato que já vai bem adiantado, vários mitos foram desfeitos: 1) o de que era fácil arranjar uma política econômica "alternativa" à do governo anterior; 2) o de que era pura conversa do governo a crise da Previdência; 3) o de que era fácil aumentar salários do funcionalismo. Caímos na real, essa é que é a verdade.
Pelo lado político, o PT recebeu uma valente esfrega. Não adianta pensar como os Bornhausen — que por 30 anos "ficaremos livres dessa gente". Assim como o próprio Lula, o PT tem o seu lugar na política moderna do Brasil. Ruim com ele, pior sem ele. Mas suas carências e seu ranço autoritário ficaram expostos de modo patético.
Essa vertente autoritária tem muito a ver com uma linha de esquerda marxista, ortodoxa. São pessoas que pensam no poder o tempo todo, e, paradoxalmente, têm a maior dificuldade para lidar com o poder.
Não que a direita seja santa. Figuras como o cardeal Richelieu ou o chanceler Bismarck poderiam dar a Lula lições de duplicidade, de prática da "realpolitik". Mas eles não eram ingênuos em relação ao poder.
"O poder corrompe; e o poder absoluto corrompe absolutamente." Quem foi que disse isso? É a mais pura verdade. Já nos tempos bíblicos era assim. O rei Salomão era o mais sábio dos homens: vinha gente dos confins da Arábia — como a rainha de Sabá — para assistir aos seus julgamentos. Ele tinha o apoio explícito do Altíssimo, e livros inteiros da Bíblia lhe são atribuídos. Mas o poder lhe virou a cabeça (alguns dizem que foram as suas 700 mulheres). E ele "agiu mal diante do Senhor". Por culpa dele, a ainda jovem monarquia israelita entrou num declínio irreparável.
Se foi assim com Salomão, que dizer do homem comum, do político que se deixa morder pela mosca varejeira do poder?
Uma certa esquerda ortodoxa embarcou de olhos fechados nessa aventura. Valia tudo para derrotar o capitalismo, para chegar ao poder e conservá-lo. A geografia mental do marxismo colabora para isso.
Lembro de um livro que fez furor lá pelos anos 60: a "História da Riqueza do Homem", de Leo Huberman. Todo mundo leu, na minha geração. Era muito bem escrito, mas simplificava a História. Tudo, absolutamente tudo, era explicado pela economia.
Daí se tira uma espécie de satisfação intelectual: é como se, de repente, você passasse a dispor das chaves da História (e é essa História achatada que ainda se ensina nas nossas universidades).
Ora, se a História é uma espécie de física darwiniana, desprovida de valores, de crenças, de mitos, de imaginação; se o que importa é conquistar o poder e mantê-lo a qualquer custo, o caminho fica aberto para o surgimento de uma fauna de grandes predadores.
Também naqueles anos 60 fazia sucesso a "moda Mao". Era mais que uma moda: era a crença de que, enquanto os soviéticos "amoleciam" numa espécie de aburguesamento socialista, do lado chinês se praticava o verdadeiro socialismo. E Mao era o profeta dessa religião leiga.
No Ocidente sofisticado, ninguém reclamou, ninguém estranhou, quando a "moda Mao" se tornou o mais deslavado culto à personalidade de que se tenha notícia. Ninguém achou estranho que a juventude chinesa só tivesse como leitura o "Livro Vermelho dos Pensamentos do Presidente Mao". Era, diziam, o socialismo em marcha.
Sabemos agora o que estava por trás disso: totalitarismo e incompetência. Só no chamado "Grande Salto para a Frente", inventado por Mao, calcula-se que tenham morrido de fome uns 30 milhões de chineses.
Não há a menor hipótese, aqui, de que sejamos confrontados com o Livrinho Verde-Amarelo dos Pensamentos do Presidente Lula. O "Nosso Guia" (como diz o Elio Gaspari) não é dado a livrinhos nem livrões; e o vírus autoritário do PT foi duramente exposto pela crise que estamos vivendo.
Mas o presidente, já em campanha pela reeleição, poderia meditar um pouco sobre o que aconteceu nos últimos tempos. O poder pelo poder não é um bom caminho. No final, só traz amarguras.
Entrevista:O Estado inteligente
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