Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, novembro 17, 2005

Mentira e autoritarismo Denis Rosenfield

Mentira e autoritarismo 

 site Diego Casagrande
(17/11/05)

Há um componente tipicamente autoritário no tratamento que o governo Lula está dando à questão Palocci. Toda uma encenação está sendo feita, como se se tratasse de um grande esquema da oposição, visando a desestabilizar a política macroeconômica e, desta maneira, a bombardear o propósito petista de reeleição de Lula. Ao agir assim, o governo procura criar um inimigo que congregue o seu partido e a sua base aliada, evitando maiores discrepâncias internas. Procura, ademais, transmitir à sociedade a imagem de um governo sitiado, defensor dos "trabalhadores", que estaria em posição defensiva, apesar de todos os seus esforços para "mudar tudo o que está aí". A "ficção" do inimigo vem a substituir uma prática escusa.

Parece não pairar mais muita dúvida de que Palocci, de uma ou outra maneira, esteve envolvido com assuntos de corrupção ou arrecadação ilegal de fundos durante sua gestão na Prefeitura de Ribeirão Preto e na campanha presidencial de Lula. São inúmeros os seus comprometimentos, atestados por documentos da prefeitura, por empresas a esta ligadas e por seus próximos assessores. Falar de uma orquestração das oposições seria faltar com a verdade, pois estas, na verdade, o preservaram até agora em nome da continuação da atual política macroeconômica. Elementos, portanto, não faltariam para sua queda do Ministério da Fazenda, se o PSDB e o PFL assim o tivessem pretendido. Acontece que, mesmo para esses partidos, está ficando difícil segurá-lo, pois as denúncias se avolumam e têm como veículo os meios de comunicação, que não estão sob controle do governo, nem de nenhum partido. A sociedade brasileira, neste sentido, amadureceu bastante.

Neste contexto, ganha particular destaque a entrevista dada por Dilma ao jornal Estado de São Paulo, por bater diretamente nos ministros do Planejamento e da Fazenda, quando este último se encontra particularmente enfraquecido. Ademais, a praxe até então era a de que este tipo de divergência se resolveria em silêncio dentro do próprio governo, sem discussão pública. Frise-se, também, que os termos empregados foram particularmente duros, diria grosseiros para colegas de partido e de governo. Dilma não teria se arriscado a tanto se não contasse com o apoio do Presidente, que teria aproveitado a ocasião para começar a se demarcar da atual política macroeconômica, dando mais fortemente largada para a sua campanha eleitoral nesta área de sua administração. Pode-se dizer que uma operação deste tipo deve ter tido um certo tipo de aval do presidente.

A Ministra Chefe da Casa Civil é próxima à Democracia Socialista, a mesma tendência de Raul Pont e Miguel Rossetto. Enquanto membro do secretariado do então governador Olívio Dutra, ela esteve sempre alinhada com as posições da Articulação de Esquerda e da Democracia Socialista. Ora, Raul Pont, novo Secretário-Geral do PT, solidarizou-se imediatamente com sua companheira, dizendo que "as eleições internas mostraram que a base partidária quer outro rumo para a política econômica e não o aprofundamento da política tributarista, que prioriza o superávit primário e o controle da inflação ao mesmo tempo que aprofunda a dívida pública". A harmonia entre ambos é explícita na crítica dessa política macroeconômica, por eles considerada como "neoliberal".

João Pedro Stédille, do MST, por sua vez, aprovou incondicionalmente a "porrada" (a expressão é dele) dada por Dilma em Palocci, sinalizando a plena concordância desse movimento político com a posição adotada pela Ministra Chefe da Casa Civil. Ou seja, produziu-se aqui nitidamente um realinhamento da esquerda partidária contra a política econômica personificada por Palocci. Berzoini não ficou atrás, pois também concordou com a necessidade de uma modificação da política econômica, verbalizando que, na verdade, é a grande maioria do PT que desaprova toda essa política. Isto é, se há algo que une o PT é a sua posição contrária à política macroeconômica sustentada por seu próprio governo. A esquizofrenia é bem real.

Logo, se a mentira procura encobrir essa esquizofrenia, é porque ela obedece a um propósito bem político, fruto de um exercício do poder de traços autoritários, que nega sistematicamente aquilo mesmo que faz todo o tempo.

Arquivo do blog