O ministro Antonio Palocci se engana ao dizer que as denúncias do acervo de malfeitorias acumuladas pelo falecido "núcleo duro" do PT são uma antecipação da campanha eleitoral do ano que vem. Pelo contrário, são uma conseqüência dos dois primeiros anos do governo de Lula, da campanha eleitoral de 2002, e do "modo petista de governar", do qual ele, Rogério Buratti e Vladimir Poleto, bem como José Dirceu, Waldomiro Diniz e Sérgio Gomes da Silva, o "Sombra" de Santo André, foram protagonistas exemplares. O baronato de Palocci em Ribeirão Preto teve relações incestuosas com fornecedores e, como se vê, otras cositas más. Sua proposta de transposição do debate pretende tratar fatos do presente como contingência do futuro. É do presente a tentativa de dissimular como ligeireza contábil um lento, gradual e seguro processo de aparelhamento do Estado.
Ao contrário de todas as crises políticas dos últimos cem anos, a do poder petista é endógena. Nenhuma denúncia partiu da oposição. Por mais que os corifeus do lulismo queiram atribuir a crise ao PSDB, ao PFL, à elite ou à imprensa, o elenco é petista. O comissário Ricardo Berzoini diz que vai processar a revista "Veja" por "denúncia vazia", calúnia e difamação. Fala como se não tivesse lido a reportagem da equipe encabeçada pelo jornalista Policarpo Junior. Ela se baseia em informações dadas por Rogério Buratti (contra quem Palocci e Berzoini jamais disseram uma má palavra), e Vladimir Poleto, ex-assessor do então prefeito de Ribeirão Preto. O motorista que transportou Poleto com as caixas recebidas em Brasília trabalha hoje no gabinete do ministro da Fazenda.
Raul Pont, colega de Berzoini no comissariado petista, desqualificou as narrativas de Poleto e Buratti, segundo os quais os companheiros receberam US$ 1,4 milhão (ou US$ 3 milhões) do governo cubano dizendo que "daqui a pouco vai se voltar a falar do "Ouro de Moscou'".
Calma, o "Ouro de Moscou"" existia. Ex-dirigentes do Partido Comunista Brasileiro e pelo menos um ex-burocrata soviético revelaram que o "mensalão" anual do PCB girava em torno de US$ 250 mil (US$ 800 mil em dinheiro de hoje). Pagava cerca de 80% das despesas do "Partidão". Do "Ouro de Washington" conhece-se a gravação da conversa do presidente John Kennedy com o embaixador Lincoln Gordon na qual, em julho de 1962, ele combinou um derrame de dinheiro na eleição brasileira. No barato, o cheque foi de US$ 5 milhões (US$ 40 milhões de hoje). Numa só tacada, Kennedy cobriu seis anos de investimentos russos.
Quando o coordenador político do Planalto, ministro Jaques Wagner rebate a narrativa de Vladimir Poleto dizendo que "as contribuições e os gastos da campanha presidencial de 2002 foram registrados com transparência pela frente partidária que apoiou o candidato Luiz Inácio Lula da Silva", debocha da Justiça Eleitoral, ofende a inteligência da patuléia e envergonha o eleitorado do nosso guia. O doutor acha que os depósitos feitos por Marcos Valério na conta de Duda (Dusseldorf) Mendonça, nas Bahamas, são uma modalidade de registro transparente? Há pessoas de bem que duvidam da história de Poleto e anseiam por uma explicação que lhes permita contraditá-la.
As palavras dos companheiros as envergonham. Exigem do aliado a disciplina conformada do imbecil.
Há poucos dias, o deputado piauiense Humberto Reis fez-se enterrar de pé. Lula, Palocci, Berzoini, Pont e Wagner querem enterrar 53 milhões de eleitores de cabeça para baixo.