Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 19, 2005

EDITORIAIS de O ESTADO DE S.PAULO

Lula fez a sua escolha

O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, está nu diante dos seus inimigos ? e quem o desvestiu não foi a oposição, nem mesmo os que investigam o seu passado de prefeito de Ribeirão Preto, mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por livre e soberana decisão. Esta se exprimiu em um fato ao qual os jornais de ontem, em geral, deram insuficiente destaque. O noticiário do dia ressaltou os rasgados elogios do presidente à ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, numa solenidade, e a sua recusa a elogiar Palocci, como se esperava que enfim fizesse. Nem quando instado por jornalistas Lula cedeu.

A rigor, dada a circunstância (um evento relacionado com o programa do biodiesel) e o contexto (a afirmação de Palocci na Comissão de Assuntos Econômicos ? CAE ? do Senado de que ela estava ?errada? nos seus ataques ao plano de ajuste fiscal de longo prazo), surpreendente seria se o presidente não premiasse a sua ex-ministra de Minas e Energia com uma barretada ? a rigor foram cinco, mas isso é o de menos. O que exacerbou a níveis sem precedentes, no âmbito do governo antes de mais nada, a vulnerabilidade do titular da Fazenda foi a grosseira declaração de Lula de que não assistiu ao seu depoimento no Senado ?porque estava trabalhando?.

Disse isso a repórteres que perguntavam sua opinião sobre o desempenho do ministro, acrescentando em tom de brincadeira, ?foi bem, foi bem, pelo que vocês escreveram, foi bem?.

A sua rombuda mensagem foi inequívoca. Só faltou ele dizer, à moda petista, ?eu optei?. A opção do presidente tem duas faces.

A primeira é o seu alinhamento com os críticos não da política de rigor fiscal em si, mas do rigor ? se cabe o jogo de palavras ? com que vem sendo executada, como está demonstrado no relatório que, segundo reportagem de Roldão Arruda no Estado de ontem, a ministra Dilma entregou ao presidente dias antes de investir contra a equipe econômica, numa entrevista a este jornal. O relatório, que espelha também as queixas de ministros insuspeitos de oposição ao programa de austeridade, como o titular da Agricultura, Roberto Rodrigues, e o seu colega do Desenvolvimento, Luiz Furlan, é um libelo à relutância com que Palocci executa o Orçamento do Executivo, liberando recursos a conta-gotas.

A segunda face é mais inquietante. Sugere, na melhor das hipóteses, que Lula não quer que o superávit primário ultrapasse a marca de 4,25% do PIB (hoje está na ordem de 6% por fatores sazonais, como explicou Palocci no Senado). E, menos ainda, que progrida o programa de longo prazo defendido por Palocci na CAE do Senado. Nas entrevistas de ontem a emissoras de rádio, Lula confirmou tudo isso, a despeito das referências elogiosas ao ministro da Fazenda. Na frase das entrevistas que melhor exprime essa confirmação ele diz: ?Tenho a certeza de que vamos consertar para melhor a política econômica.? Isso é tão mais inquietante porque, se o presidente se reeleger nos ombros de uma política fiscal mais frouxa, a concessão levará as contas públicas e a própria economia a um retrocesso tal que só lhe restará atrelar o segundo hipotético mandato ao populismo chavista.

Debilitado no Planalto e na Esplanada, tendo agora contra si, além dos adversários de sempre no PT, dirigentes empresariais zangados com a desaceleração das atividades econômicas acima do esperado, e contando apenas, na economia, com os mercados financeiros e, na política, com a oposição (e de forma alguma toda ela), Palocci terá de se decidir. Ou leva absolutamente ao pé da letra o temerário ultimato a Lula, no Senado ? ?Minha força é para realizar esse projeto, e não outro? ?, e se exonera; ou, reconhecendo, num constrangido recuo, que o seu gambito não funcionou, chega a um acordo com o presidente que lhe permita salvar a face: acelera a execução orçamentária, contém o superávit no marco original e arquiva, pelo menos até a eventual reeleição, a idéia do déficit zero, que consagraria de vez a racionalidade na gestão das finanças públicas.

No entanto, o xeque-mate de Lula em Palocci tem um porém que o presidente pode, ou não, ter levado na devida conta. Se o ministro se for, cairá a única barreira que até agora impediu a oposição de declarar guerra total ao governo. Mesmo sem cacife para bancar o impeachment do presidente, tucanos e pefelistas farão o que sabem para transformar a sua vida num inferno ? dia sim, o outro também, no ano decisivo de 2006.

Uma pizza fria e crua

Segundo o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), o prazo da CPI dita do Mensalão esgotou-se na quarta-feira, antes de o relator, deputado Ibrahim Abi-Ackel (PP-MG), apresentar seu relatório final. Ou seja, a pizza foi servida crua e fria ? um final melancólico mas que não justifica lamentos. Os requerimentos para sua prorrogação abortaram, não só por falta de apoio, pelo pequeno número de assinaturas que alguns parlamentares oposicionistas conseguiram obter, mas também pela lúcida constatação geral de que seria insensata a continuação do exercício de enxugamento de gelo executado por seus membros.

Isso não deveria, de qualquer maneira, surpreender ninguém. O mostrengo nasceu com dois objetivos específicos. O primeiro seria investigar antigas denúncias sobre compra de votos pelo governo anterior para garantir a maioria parlamentar que assegurou a vitória da emenda da reeleição do presidente tucano Fernando Henrique. O segundo, mas não o menos importante, seria fazer fogo de encontro às outras duas CPIs em funcionamento no Congresso, a dos Correios, sob suspeito controle governista, e a dos Bingos, comandada pela oposição. A prática logo mostraria que não havia clima político para discussão de um assunto distante como a reeleição e, em vez de se contrapor ao trabalho das outras, esta terminou se tornando uma espécie de complemento da CPI dos Correios, com cujo relator, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), Abi-Ackel assinaria um relatório conjunto ao Conselho de Ética da Câmara dos Deputados com lista de 18 parlamentares acusados de se beneficiarem do propinoduto de Marcos Valério.

Na verdade, este foi o único resultado prático dessa pouco útil CPI, presidida pelo senador Amir Lando (PMDB-RO), que antes havia passado em brancas nuvens pelo Ministério da Previdência no governo Lula. Só isso já seria suficiente para superar as expectativas de qualquer observador otimista. Pois, afinal, o relator, ex-ministro da Justiça no regime militar, do partido de Paulo Maluf e com o filho Paulo entre os beneficiários do ?valerioduto?, não poderia ser considerado o mais indicado para o cargo.

A desimportância das investigações por ele relatadas pode ser medida pela surpresa que os membros da CPI, ele inclusive, se permitiram ter com a iminência do encerramento do prazo, sem que se tivesse ou providenciado o relatório final, ou apresentado o requerimento para sua prorrogação. A hesitação entre atender ao clamor da opinião pública por um mínimo comprometimento com a verdade dos fatos e não desagradar ao governo, que insiste teimosamente em propagar versões que negam tais fatos, partindo da presunção da inconsistência da denúncia feita pelo presidente nacional afastado do PTB, deputado cassado Roberto Jefferson (RJ), levou-o a concluir pela confirmação do ilícito, mas negando a periodicidade indicada na denominação.

?Há múltiplos indícios de que houve distribuição de recursos a deputados da base?, informou o relator, reconhecendo o óbvio, já exaustivamente comprovado por provas testemunhais e documentais e pelo cotejo das movimentações bancárias. Em seguida, numa concessão à versão oficial, adotada pelos governistas, inclusive pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, Abi-Ackel socorreu-se de uma sutileza semântica: ?Isso não caracteriza exatamente o que se denominou mensalão, pagamentos sistemáticos.? Para, logo depois, admitir o impossível de ser negado: ?Mas houve sem dúvida pagamentos de dinheiro em espécie, em alguns casos com uma só prestação, em outros com prestações sucessivas.?

Esse relatório ? que se limita a acusar bodes expiatórios convenientes, como o já expurgado Delúbio Soares e Marcos Valério ? não passa de uma crônica póstera da tentativa encomendada de tapar o sol com peneira. A saída segundo a qual não pode haver mensalão se os pagamentos ilícitos não eram mensais é comparável ao rabo de fora que o gato inábil deixa ao tentar esconder sob o tapete toda a porcaria produzida por um grupo que assaltou os cofres públicos e dilapidou o patrimônio ético do PT sem-cerimônia. A CPI, já foi tarde e não deixou ninguém com saudade.

 


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