Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, novembro 18, 2005

EDITORIAIS de O ESTADO DE S.PAULO

Na mesma situação

Ao cabo da sabatina do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), que durou da tarde de quarta-feira ao começo da madrugada de ontem, a sua situação era a mesma de antes de iniciada a sessão: salvo na hipótese um tanto remota de ele sair da CPI dos Bingos - a sua convocação agora parece certa - sem condições morais de continuar comandando a economia nacional, a sua permanência no governo dependerá única e exclusivamente do cálculo de conveniências reeleitorais do superior hierárquico ao qual tem servido com lealdade e competência patentes.

Excluída essa eventualidade, Palocci tem ainda menos a temer da oposição do que tinha quando entrou na sala de reuniões da CAE, onde muitos se imaginavam, equivocadamente, protagonistas e espectadores do que seria o seu momento da verdade. É notório que o recrudescimento das suspeitas envolvendo o ministro, provocado pelo comportamento dos seus ex-auxiliares na prefeitura de Ribeirão Preto na CPI dos Bingos - os dólares de Cuba, supostamente transportados pelo seu ex-companheiro Vladimir Poleto e o suposto R$ 1 milhão do bingo para a campanha de 2002, no mínimo com o seu conhecimento -, deixou tucanos e pefelistas numa enrascada. De um lado, não podiam fazer vista grossa ao que veio a público. De outro, não poderiam levar ao patíbulo a figura que personifica a política econômica que deles só merece aplausos.

Ao defender com o brilhantismo habitual e argumentos irrefutáveis não só o rigor fiscal adotado, mas a sua consolidação - mediante o programa de longo prazo que a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, desdenhou como "rudimentar" em entrevista a este jornal -, foi como se Palocci perguntasse aos políticos oposicionistas o que eles sabem que não podem responder com uma afirmativa: "É este ministro que os senhores querem derrubar, expondo o País ao risco de um inaceitável retrocesso?" Além disso, já na alocução inicial, ele fez questão de descartar a idéia de que poderia conduzir uma política econômica mais frouxa, se Lula dele cobrasse isso. "Minha força é para realizar esse projeto, e não outro." Depois, afirmou que a ministra "estava errada".

O que remete ao verdadeiro problema à espera de Palocci, partindo da premissa de que - embora não tenha sido tão brilhante na defesa contra as acusações de corrupção - ele não será crucificado no seu depoimento à CPI dos Bingos, no qual a oposição deverá insistir, sob pena de ser acusada de usar dois pesos e duas medidas na apuração das malfeitorias petistas. O problema, naturalmente, se chama a reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva. Desde a incendiária entrevista da sucessora de Dirceu, o comportamento do presidente foi absolutamente incoerente com as suas repetidas louvações aos êxitos do seu governo em matéria econômica. Como se assinalou ontem neste espaço, essa conduta justificou a suspeita de que ela disse o que disse autorizada ou mesmo incentivada por Lula.

É possível que ele ainda não esteja convencido do que seria melhor para a sua reeleição - mais do mesmo, ou menos do mesmo, na economia. Se assim é, a posição do ministro continuará desconfortável mesmo que as acusações contra ele não subam além do nível a que já chegaram.

Isso ainda não é tudo. Na longa gestação de sua primeira reforma ministerial, Lula se queixava da dificuldade de demitir amigos e companheiros de outras jornadas. Mas essa dificuldade se evapora quando ele percebe como uma ameaça aos seus projetos pessoais seja o que façam ou o que tenham feito. Nesses casos, Lula deles se dissocia com a rapidez que é incapaz de imprimir às decisões de governo. Assim foi com o ministro Dirceu, e assim poderá ser com Palocci.

Esperando para ver o que aconteceria logo mais no Senado, o presidente chegou a ponto de começar o dia de anteontem com um discurso em que tornou a enaltecer a política econômica - "o atual caminho de crescimento, com base sólida" - como se fosse obra do Espírito Santo ou de autor anônimo. Elogios a Palocci, nessa quarta-feira tensa, apenas em privado, quando se falaram por telefone antes da ida do ministro ao Congresso. Mas, omitindo o seu nome, ou concedendo-lhe publicamente o que merece - porque Palocci é o suporte sem o qual este governo já se teria desmanchado - , o presidente dificilmente será para o seu condestável um verdadeiro amparo.


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