COM OU SEM PALOCCI
Não é bom para o país conviver com um quadro de indefinição em torno do Ministério da Fazenda. E é isso o que vem ocorrendo nos últimos dias, desde que o ministro Antonio Palocci, em resposta às críticas endereçadas a ele por sua colega Dilma Rousseff, manifestou a possibilidade de se afastar do cargo. Obviamente que o "fogo amigo" proveniente da Casa Civil não é um fato isolado nem o principal motivo da hesitação de Palocci. Na realidade, o enfraquecimento do ministro inscreve-se no contexto da crise política e decorre de uma onda de denúncias acerca de sua gestão em Ribeirão Preto e de sua eventual participação nos desvios em que incorreu o PT.
Ninguém melhor do que Palocci para saber se há ou não novos fatos espinhosos a serem revelados à opinião pública, mas mesmo que nada de mais grave apareça, o que já se conhece é suficiente para justificar o aprofundamento das investigações e deixá-lo exposto a suspeitas. Com efeito, cada vez mais a figura do ministro da Fazenda vai migrando das páginas econômicas para o noticiário sobre o escândalo de corrupção.
Noticiou-se ontem que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende colocar um ponto final nessa situação, anunciando em discurso oficial seu irrestrito apoio a Palocci. Ao mesmo tempo, o governo estaria tentando reforçar a "blindagem" do ministro, costurando um acordo com partidos oposicionistas para mantê-lo afastado das CPIs.
É correta a intenção do presidente de dirimir incertezas, mas não há garantias de que para isso bastem um discurso e um conchavo com líderes da oposição. Em tese, denúncias podem continuar surgindo de ex-assessores e de investigações da imprensa, tornando cada vez mais difícil deixar o ministro à margem dos inquéritos. Além disso, não fica de pé a tentativa de erigir Palocci em esteio da economia brasileira, como se a sua ausência fosse varrer o país para um período de crises e turbulências.
É claro que, se o presidente Lula, na eventualidade de se ver forçado a uma troca, optar por uma reviravolta completa na condução da política econômica, as reações seriam amplamente desfavoráveis. Não parece, porém, que essa perspectiva esteja no horizonte. Quanto a uma correção de rumos, que aponte para uma gestão menos conformista da política monetária e mais eficaz do ponto de vista do crescimento, é algo que até mesmo economistas de várias linhas vêm pregando.
O ministro Palocci, sem nenhuma dúvida, tem apresentado méritos e virtudes no desempenho de suas funções. Acima de tudo, conseguiu conferir credibilidade à opção do governo de abandonar a pregação esquerdista de setores do PT e aderir a princípios básicos, como a responsabilidade fiscal, a estabilidade monetária e a previsibilidade na condução da política econômica.
O tipo de inflexão que esta Folha tem defendido na economia não se confunde, em nenhuma hipótese, com propostas irresponsáveis que contrariem tais princípios e representem risco de retrocesso. O próprio Palocci, desde que cercado de condições políticas, poderia, em tese, estar à frente de um processo de ajuste da política econômica -embora, na prática, o ministro venha se mostrando um entusiasta da lógica ultraliberal e financista que parece animar alguns de seus assessores.
FORMAÇÃO MÉDICA
Afirmar que más escolas tendem a formar maus profissionais é um truísmo. Ainda assim, um interessante estudo patrocinado pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) praticamente demonstra que o descontrole sobre a criação e a manutenção de escolas médicas está comprometendo a qualidade do atendimento à população.
Segundo o trabalho, a taxa de denúncias contra médicos formados nas faculdades com as piores notas no último exame de alunos foi mais do que o dobro da registrada para as instituições mais bem avaliadas. Com efeito, em duas escolas que receberam nota 3, a pior do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes, realizado em 2004, o índice de denúncias por cada grupo de 100 mil médicos em atividade por ano foi de 1.680. Nas faculdades que obtiveram nota 5, essa taxa cai para 821.
É claro que nem toda denúncia apresentada se revela procedente. E nem toda falha de um médico tem origem em deficiências de formação. Muitos dos processos éticos abertos no Conselho dizem respeito a problemas de conduta, como abandono de paciente e assédio sexual.
Ainda assim, a diferença de 100% no índice das piores quando comparado ao das melhores é altamente sugestiva. A preocupação do poder público aqui deve ser com a saúde da população, que não pode ficar à mercê de arapucas que despejam hordas crescentes de maus profissionais no mercado. É dever do Estado zelar pela formação de médicos que, ao concluir o curso, recebem o aval do Ministério da Educação para atuar.
Nesse contexto, tornam-se especialmente preocupantes os dados relativos à abertura de novas faculdades de medicina. Do início do século 19 até 1999, apenas 96 escolas de medicina surgiram no país. De 2000 para cá, porém, foram abertos quase 50 novos cursos, boa parte dos quais sem infra-estrutura adequada para a aprendizagem. Em São Paulo, o Cremesp estima que sejam inadequados 50% dos 229 serviços de saúde utilizados como local de ensino por 23 das 29 faculdades do Estado.
Para agravar o quadro, o país não precisa de tantos médicos. A Organização Mundial da Saúde recomenda que exista um médico para cada mil habitantes. O Brasil conta hoje com um profissional para cada grupo de cerca de 700 pessoas.
O problema são os desequilíbrios regionais. Enquanto no Estado do Rio de Janeiro existe um médico para cada 284 habitantes, no Pará o índice é de 1.220. Parece mais lógico -e menos dispendioso- tentar resolver o problema oferecendo salários e condições de trabalho atraentes nas áreas onde há carência do que aumentar o número de profissionais até criar uma superoferta. Essa estratégia tende a ser mais grave quando se verifica que o controle sobre a qualidade dos cursos é precário.
A situação é crítica e constitui ameaça potencial à saúde pública. Como o Estado vem se mostrando incapaz de controlar o problema, parece cada vez mais inevitável que os Conselhos adotem provas de qualificação e só aceitem como médicos os bacharéis que demonstrem ter condições técnicas para tal.
Entrevista:O Estado inteligente
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