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Ainda bem que o mundo avança malgrado o que dele dizem humanistas, pensadores, mídia, toda essa teia de gente bem intencionada que pretende só um futuro melhor para nós todos, mesmo que seja flertando com o crime ou a irresponsabilidade. Fico feliz que homens reacionários e perversos, alheios a essa verdadeira torrente de lágrimas que inunda as causas, empurrem a civilização. Ou estaríamos todos danados. Não tenham dúvida: deixássemos os países para ser governados por esses humanistas por uns seis meses, eles implementariam uma ordem fascista. Eliminariam a democracia em três tempos. Ainda estou meio enigmático, sei disso. Mas vou me explicando, fiquem certos. Primeiro tempo: a França A França é um dos países europeus mais generosos no trato com os imigrantes e na concessão de benefícios sociais. Tanto é assim que, como reação, existe uma forte extrema direita que combate ferozmente tais concessões, que custam caro — entenda-se este "forte": na faixa dos 20% do eleitorado. Sempre esteve longe do poder. Quem sabe a "intifada" colabore para que chegue mais perto nas próximas eleições... Será a grande "contribuição" dos arruaceiros à democracia francesa. O repórter não quis saber de contradições, não. Milhões de espectadores brasileiros foram expostos às verdades daqueles "pobres garotos", alguns deles saídos de um carro em ótimo estado. Todos visivelmente bem alimentados e educados. O prédio que receberam de graça para morar estava meio emporcalhado, é verdade. Eles reclamavam que o governo não ia lá fazer reformas. Por conta própria, aquela "pobre gente" não quer passar nem uma miserável mão de tinta na parede. Eles querem pichar. O governo que limpe. E o repórter lhes dá voz e dá a entender que a República francesa está em perigo. Que a integração é uma mentira, uma falácia. Os "líderes" da revolta só falaram porque não era uma TV nacional, que eles acusam de manipular o noticiário. Quando o jornalista se identificou como brasileiro, sentiram-se com gente amiga. Foram bem-sucedidos no seu intento. Não se disse — aliás, não se disse em lugar nenhum do mundo, nem na França — quanto é que essa gente custa à Assistência Social e quanto os benefícios de que gozam consomem de imposto. Também ninguém está interessado em estimar os prejuízos de quase 20 dias de rebelião. Pra quê? A reportagem é toda ela simpática à causa. Numa máquina de lavar, lia-se a "homenagem" a Nicolas Sarkozy, o ministro do Interior: "fdp". A sigla serve em francês e em português. O jornalista lembrou que o ministro detestado pelos baderneiros é ele próprio filho de imigrantes. A ilação óbvia é que se comportava como um traidor da causa. Em vez de candidato à Presidência, entende-se, Sarkozy deveria estar botando fogo em automóveis. Nem uma miserável palavra sobre o fato de a maioria dos rebelados, não aqueles, ser adepta do islamismo. Da forma como foram tratados, não resta outro corolário: os pobres, os discriminados (ou os que se julgam pobres ou discriminados), se saírem botando fogo no país (ora, por que não o fazer também no Brasil, com mais "motivos"?), estarão apenas reivindicando justiça e respondendo à opressão. Até agora não se quis saber a real participação de filhos de imigrantes no establishment francês. Aposto meu braço direito que há mais pessoas oriundas desses grupos em posições de comando do que filho de camponeses. Mas e daí? Gostamos de rebelião, gostamos de revolta, gostamos que cada um tome à força aquilo que julga lhe fazer falta. João Pedro Stedile tem de fazer um curso com os líderes da intifada magrebina. Vamos ver como reage a "progressista" imprensa nativa. O "reacionário" aqui, como sabem, já disse o que pensa sobre tais métodos de "luta". Segundo tempo: as jovens grávidas A série tem um lado interessante, que remete à incúria do poder público. A distribuição gratuita de anticoncepcionais, uma das diretrizes do Ministério da Saúde, não está se dando a contento. Muito ao contrário. As pílulas não chegam às áreas mais pobres do país. Não estou necessariamente endossando que o Estado distribua o remédio. Se é uma política oficial, no entanto, que seja, então, cumprida. Até aí, vá lá. Mas depois vêm os dramas humanos, individuais, que exemplificam e justificam a causa, a teoria. Aparece lá a garota de 19 anos. Pobre, sim, mas, vê-se, não abestada. Está na terceira gravidez. Cada filho de um pai diferente. Sua irresponsabilidade sexual, sua moral lassa no que concerne à sexualidade, sua decisão de praticar o ato que ela sabe que leva à gravidez, tudo isso é atribuído à sua pobreza — pobres talvez tenham hormônios mais inquietos... — e à falência das políticas públicas de combate à reprodução irresponsável. Mesmo erro No Brasil, fazer sexo de forma irresponsável tornou-se um "direito", pelo qual não deve responder quem se deita com o outro e, como direi?, põe "aquilo naquilo". Não, nada disso! É uma necessidade, uma imposição da natureza — e sei lá o que mais —, e o Estado é que tem de arcar com as conseqüências, fornecendo camisinha e pílula de graça. Como este Estado tem-se mostrado incompetente na sua ação, a gravidez indesejada só pode ser, ora essa!, culpa do governo! Mesmo quando, aos 19 anos, a mocinha constata a sua terceira (!) gravidez. Como na piada do Casseta & Planeta, chegará o dia em que a mulher ou o marido encontrará o parceiro na cama com outra pessoa e vai exclamar: "E o governo não toma providência!". Nos dois casos, os humanistas de plantão expropriam os indivíduos de sua responsabilidade pessoal. Os incendiários da França não têm culpa de sair destruindo o país que lhes dá, sem custos, moradia, saúde e educação. Os brasileirinhos e brasileirinhas que saem por aí fazendo filhos também não podem responder por seus, quem sabe?, instintos. Podem até votar. Podem decidir sobre os destinos da nação. Mas não podem responder pelo momento em que tiram a calça. Não se tocou uma miserável vez na moral individual dos praticantes de sexo e fazedores de filho. Atenção: não estou pedindo o fim da distribuição de camisinhas. Que se distribuam. Não estou pedindo o fim da distribuição de pílulas. Que se distribuam. Pessoalmente, sou contra. Mas esse é outro problema. Que o governo siga a lei. Que o Estado leve a sério a sua política. Não haverá, no entanto, menos gravidez indesejada no Brasil ou em qualquer outro lugar do mundo até que os indivíduos não sejam chamados à sua responsabilidade. De que outras franquias da cidadania deveria estar desprovido um indivíduo que não pode nem mesmo fazer sexo sem que o Estado zele pelas conseqüências? Mais um pouco, vamos ter de criar a "Orgasmobrás". Tenho algumas sugestões para o cargo... Eu, o reacionário Tanto é que o programa mostrou um caso exemplar. Um casal — ela, 19; ele, 18 — que pratica sexo regularmente, com o consentimento dos pais, claro (gente moderna e rica!), e a devida assistência médica. Mal se percebe a armadilha: a nova moralidade que se tenta vender está de tal sorte atrelada aos sinais explícitos de uma classe social, que, parece-me, o que era para ser exemplo acaba saindo pelo avesso. Sem aquelas condições que cercam o casalzinho bacana, parece que se está reivindicando apenas mais eficiência na esterilização dos pobres. Sem contar, obviamente, que, tanto no caso da jovem mãe a caminho do terceiro filho, de três pais diferentes, como no do casal-bacana-e-informado, há um valor subjacente: a prática do sexo, além de ser entendida como uma espécie de direito público a ser regulado pelo Estado, é evidenciada como uma quase obrigação, um ato corriqueiro que independe de valores individuais, familiares, comunitários, religiosos, culturais. Meu tédio A televisão foi tomada de assalto pelas pessoas boas. E eu descobri que não sou um homem bom, já disse isso a vocês. Eles já são maioria. Nós, os "franceses", estamos acuados. |
Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, novembro 15, 2005
Da revolta na França às jovens grávidas no Brasil Por Reinaldo Azevedo
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