Desde o começo da crise, tecera-se em torno do ministro uma rede de proteção providenciada pelo governo e respeitada pelos maiores partidos de oposição. Os antigovernistas de esquerda estavam ocupados demais com as CPIs. Faltou-lhes tempo para lembrar que Ribeirão não fica tão longe de Brasília. Faltou-lhes tirocínio para perceber que ali estava, desde 1992, o flanco exposto.
Ao assumir o cargo, Palocci instalara na mais importante secretaria municipal o homem indicado pela direção regional do PT para tutelar o prefeito aprendiz. O forasteiro não demorou a adaptar-se à cidade e tornar-se amigo do jovem chefe. Juntos, incorporaram à administração práticas corriqueiras nas cidades controladas por petistas. Celebrar contratos superfaturados com empresas coletoras de lixo, por exemplo.
O valor adicional era remetido ao comando do partido, que saberia utilizá-lo nas campanhas eleitorais. Os contribuintes nada perdiam. O PT engordava o caixa 2. Prefeitos e assessores dormiam o sono dos justos. No país dos companheiros, certas leis codificadas pelas elites são revogadas em nome do povo.
A Leão & Leão, empresa especializada no ramo do lixo, já cuidava da limpeza de Ribeirão Preto. O contrato renovado incluiu uma cláusula verbal: a cada mês, a prefeitura receberia R$ 50 mil por fora. Na metade do mandato, Palocci teve de demitir o assessor metido em outras bandalheiras. A amizade continuou. Logo Buratti virou diretor da Leão & Leão e saltou para o outro lado do balcão. Em vez de receber propinas, agora cuidava de pagá-las.
Depois de uma segunda temporada na prefeitura, encurtada pela ascensão ao poder central, Palocci ficou menos acessível ao antigo parceiro. Buratti telefonava com freqüência para o Ministério da Fazenda. Conversou pouco com o comandante da economia. Falou bastante com o chefe de gabinete, Juscelino Dourado. Falou tanto que Dourado teria de pedir demissão dias depois da confusão armada por Buratti.
Enredado em novas enrascadas, o trapalhão profissional fora preso. Para safar-se da cadeia, contou aos promotores o que sabia. As patifarias no lixo envolviam Antônio Palocci, garantiu o advogado com cara de dono de quitanda. O ministro foi rápido no gatilho. Convocou uma entrevista coletiva para a manhã do dia seguinte, um sábado. Negou tudo.
Palocci costuma ser convincente nesses momentos: ele mantém a expressão do médico que diz a todos os pacientes que aquilo tem cura. Foi liberado para deixar o palco. Acabou de voltar, novamente pelas mãos de Buratti, agora cantando em dueto com o economista Vladimir Poletto, assessor do prefeito Palocci no segundo mandato.
Ambos afirmaram à revista Veja que a campanha presidencial de Lula foi anabolizada por dinheiro procedente de Cuba. Buratti disse que foram US$ 3 milhões. Poletto, que jura ter recolhido o donativo na casa de um diplomata cubano em Brasília, reduziu a quantia à metade. Buratti informou que Palocci ajudou a desenhar a rota percorrida pelos dólares. Poletto garantiu ter transportado para São Paulo o dinheiro escondido em garrafas de uísque e rum.
Nessa versão, a bolada foi entregue a Ralf Barquette - outro assessor de Palocci, morto em junho de 2004 -, que cuidou de repassá-la ao comitê central da campanha de Lula. Palocci negou tudo, mas desta vez deverá ficar mais tempo em cena. Enquanto tratava da confusão caribenha, soube que o Ministério Público descobriu falcatruas ocorridas no segundo mandato como prefeito de Ribeirão.
Tenha ou não culpa no cartório, o ministro precisa ser mais criterioso na escolha de assessores.
[01/NOV/2005]