Entrevista:O Estado inteligente

sábado, abril 09, 2005

JB Online - Augusto Nunes:Muita viagem e pouco trabalho

Ecumenismo acima das nuvens: só Mãe Nitinha perdeu o Pai-Nosso rezado pela comitiva de Lula


Com o Brasil ninguém pode, confirmou a cerimônia do adeus ao papa. Nem os Estados Unidos. A única superpotência do planeta mandou cinco representantes: o presidente George W. Bush e sua mulher, os ex-presidentes Bush pai e Bill Clinton e a secretária de Estado, Condoleezza Rice. Quanto mais rico o país, mais sovina ele é, talvez tenham deduzido os mandarins do Planalto. Melhor ser pobre sem medo de gastar em evento tão importante. O fato é que se decidiu enviar a Roma a maior, mais abrangente, mais ecumênica e mais extravagante entre as comitivas presentes ao funeral.

Embarcaram no Aerolula 16 passageiros - uma geléia geral de políticos e religiosos. Lula cuidou pessoalmente da escolha dos companheiros de viagem. A mistura produziu uma espécie de retrato em 3x4 de uma democracia na maturidade, que estimula o convívio dos contrários e abriga com tolerância qualquer religião. Marisa Letícia foi a escolha óbvia. A primeira-dama que não perde o marido de vista simboliza o apreço nacional pela instituição da família.

Para demonstrar a harmonia entre os três Poderes da República, embarcaram os presidentes da Câmara, Severino Cavalcanti, do Senado, Renan Calheiros, e do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim. Aos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e José Sarney cabia outra missão.

Ambos subiram a bordo do Aerolula para avisar ao mundo que, no Brasil moderno, não existem ressentimentos entre adversários políticos, sobretudo quando se trata de ex-presidentes. Lula esqueceu de convidar um ex-muito vivo, Fernando Collor. Mas Itamar Franco, o vice que substituiu o defenestrado, esperava a comitiva no aeroporto em Roma. Itamar agora é embaixador na Itália.

Para manter sob vigilância o pouco diplomático Itamar, incorporou-se à comitiva o chanceler Celso Amorim. Se eventuais chiliques exigissem socorro, bastaria chamar o tranqüilo Gilberto Carvalho, chefe de gabinete de Lula, ou Aloizio Mercadante, líder do governo no Senado. A face multirreligiosa ficou por conta de seis passageiros. Seriam sete, se os orixás tivessem sido mais clementes.

Ficou faltando Areonilthes Conceição Chagas, ou Nitinha de Oxum, mãe-de-santo bastante conhecida e muito respeitada nos terreiros de candomblé. A mãe-de-santo perdeu a hora da decolagem. A escala do avião presidencial no Recife foi prolongada por 30 minutos, para esperar a grande ausente. Nitinha de Oxum atrasou-se de novo. Não conseguiu conhecer os confortos do Aerolula.

É um perigo expor-se à contrariedade de mães-de-santo tão poderosas. Aborrecidas, podem incorporar um Exu da pesada e esculhambar qualquer solenidade. Até enterro de papa. Mas Nitinha de Oxum ficou feliz com as atenções que o governo lhe dispensara. Só lamentou não ter podido rezar o Pai-Nosso acima das nuvens, em coro com os políticos e seis religiosos: o presidente da CNBB, um padre que o assessora, o arcebispo de Brasília, um rabino, um representante do islamismo e um pastor luterano.

A maioria da comitiva voltou de Roma no "Sucatinha", um Boeing de segunda divisão. Dois aviões, 16 passageiros, fora os tripulantes. Tudo pago pelos contribuintes, certo. Mas como permitir que a maior nação católica do mundo fizesse feio justamente no enterro do nosso João de Deus?

Satisfeito com a performance, Lula decolou no seu brinquedão para outra visita à Africa. Vai tornar ainda mais impressionante a milhagem acumulada desde a posse, capaz de espantar um João Paulo II. Em 15 de março, quando Lula completou 777 dias na Presidência, o jornalista Joelmir Betting fez as contas. Em 25 meses, o presidente fez 62 viagens ao exterior (ausentando-se do país por 115 dias) e 177 pelo Brasil, que o mantiveram longe de Brasília durante 335 dias. Sobraram para a capital apenas 327 dias, incluídos sábados e domingos. É muito aeroporto, muita nuvem. E pouco trabalho.

A Justiça brasileira recuperou US$ 4 milhões depositados na Suíça pelo ex-juiz Nicolau dos Santos. Animado, o Cabôco tem duas perguntas a fazer. Para onde irá essa fortuna subtraída aos contribuintes? E quando será repatriado o resto dos US$ 100 milhões roubados pela quadrilha do ladrão Lalau?

Severino enfrenta a ameaça gay

O deputado Severino Cavalcanti acaba de identificar o maior dos perigos que rondam a família brasileira: a televisão, "com aqueles programas e novelas mostrando mulher beijando mulher, homem beijando homem, pai namorando filha e irmão dormindo com irmã". É verdade que velhos tabus têm caído, a questão do homossexualismo começa a ser tratada com naturalidade. Mas só Severino viu tanta sem-vergonhice. Foi o único a enxergar o tamanho da bomba feita da fusão de gays, incestuosos e pervertidos em geral.

À saída da missa em Pindamonhangaba (SP), sobraçando ao lado da patroa uma estatueta de Nossa Senhora Aparecida, berrou o recado: "Podem me chamar de retrógrado, mas sou contra essa aberração. Sempre defendi a integridade da família". Talvez por isso tenha tantos parentes no gabinete (todos pagos pelo povo). A estreita vigilância do patriarca, cujo olhar divide o clã dos Cavalcanti entre machos e fêmeas, pode inibir algum neto tentado a sentar-se no trono do Big Brother Brasil, hoje ocupado pelo simpático Jean Willis, um baiano assumidamente gay.

Arcebispo leva a taça

Disposto a provar que Lula "não é católico, é caótico", o arcebispo do Rio, Eusébio Scheid, conquistou a taça com a seguinte sopa de letras:

Ele e o Espírito Santo não se entendem bem. Você acha que Lula conhece o Espírito Santo?

Conhece só o Estado, dom Eugenio. Como os demais brasileiros.

Um ato de bravura

Absorvida pelos preparativos para a transmissão ao vivo dos arrastados funerais do papa, emissoras de TV passaram ao largo de outra emocionante cerimônia de adeus. Ocorreu horas antes da despedida a João Paulo II, na Rua Gama, Baixada Fluminense. Cerca de 1.500 moradores de Nova Iguaçu e Queimados se juntaram na missa em homenagem às 30 vítimas da chacina consumada na semana anterior.

Foi, mais que um ato religioso, um ato de bravura. Aquela multidão dilacerada pela noite dos exterminadores sofrera violências adicionais. Assassinos mais atrevidos voltaram aos locais do massacre para dar o aviso: quem os acusasse morreria.

A resposta dos ameaçados veio com missa na Rua Gama. Centenas de brasileiros deserdados pelo Estado não temeram manifestar seu inconformismo, exigir a punição dos exterminadores e, corajosamente, mostrar a cara. Não temeram expor-se ao olhar dos criminosos.

No meio da multidão estava o pai de Douglas Brasil de Paula, executado aos 14 anos. "Quero que os responsáveis sejam presos e punidos", resumiu. O padre Paulo Henrique Machado, que celebrou a missa, comoveu-se com o que talvez tenha sido o marco zero da contra-ofensiva popular. "Aos poucos", animou-se, "as pessoas vão vencendo o medo para lutar por Justiça."

Búfalos em desfile

Foto de Danilo Tanaka

A cena evoca reservas zoológicas, parques carentes de vigilantes, algo assim. Mas é só São Paulo, na primeira hora da madrugada de 13 de março. A procissão de búfalos está passando pela estrada de M'Boi Mirim, diante do terreno no Jardim Ângela onde Marta Suplicy prometeu construir um hospital que José Serra deixou para mais tarde. Diz que falta dinheiro. A ex-prefeita nega: dinheiro há. Os búfalos optaram pela neutralidade.

Mistérios bastante lucrativos

A economia brasileira encerra mistérios tão profundos quanto o da Santíssima Trindade. Entre eles reluzem certos segredos da política cambial. Na sexta-feira passada, a imprensa informou que o dólar-turismo estava cotado a R$ 2,57. Um cidadão prestes a viajar para o exterior foi ao banco com passaporte, passagem e dinheiro contado. Descobriu que teria de pagar R$ 2,70 por dólar. E a cotação dos jornais? Essa só valeria se, em vez de comprar, ele quisesse vender dólares. Multiplicados por milhares de transações, os 13 centavos de diferença ajudam a explicar os lucros obscenos dos bancos.

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