Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
quarta-feira, abril 13, 2005
Guilherme Fiuza: Vestibular para herói
13.04.2005 | O ministro Nelson Jobim, presidente do Supremo Tribunal Federal, andou reclamando de um artigo publicado por alguns famosos economistas brasileiros. O texto fala do preço que se paga no país pelo comportamento instável do Judiciário, isto é, o impacto da estrada esburacada da Justiça no Custo Brasil. É preciso muito espírito de corpo para rechaçar uma crítica dessas – que até o sorveteiro da esquina, com PhD em economia de calçada, poderia fazer. Se Jobim der uma boa lida na sentença do caso Marka, que condenou o ex-presidente do Banco Central Chico Lopes, entre outros, a dez anos de prisão, talvez dê uma ponta de razão a economistas e sorveteiros.
Nem vale a pena cansar a beleza do leitor lembrando a multidão de liminares casuísticas de primeira instância. E todos os empreendimentos travados, somados aos embrulhos tarifários, tributários e mercadológicos que duram toda uma vida, não são tão impressionantes quanto a Justiça que julga de acordo com manchetes de jornal.
O caso do “Propinoduto” é exemplar. Silveirinha e outros fiscais de Fazenda no Rio tinham 30 milhões de dólares na Suíça. A coisa tinha cheiro, jeito e trejeito de corrupção. A imprensa, como é o seu papel, saiu botando o dedo na cara dos suspeitos. Animado com o circo, o juiz Lafredo Lisboa condenou duas dezenas de réus a penas em torno de 15 anos de prisão. E o propinoduto, por onde passava afinal? Ninguém sabe. Não há no processo notícia de uma propinazinha sequer. Foi dito aqui neste espaço que todos os fiscais enjaulados logo estariam livres como pássaros. Foi o que aconteceu, porque mais uma vez o Judiciário trocara a investigação séria pela fantasia do heroísmo súbito.
Nas mais de 500 páginas da sentença (primeira instância) recém-proferida para o caso dos bancos Marka e FonteCindam, o argumento mais forte da Justiça é, novamente, o carimbo do escândalo. Por que Chico Lopes e outros ex-diretores do Banco Central foram condenados a dez anos de prisão?
Em primeiro lugar, a juíza Ana Paula Vieira de Carvalho, da 6ª Vara Federal, reconhece que um calote geral do Marka, quebrado pela abrupta desvalorização do real (em janeiro de 99), poria em risco a saúde do sistema financeiro. Portanto, a operação do BC de venda de dólares a uma cotação especial para que o banco honrasse seus contratos – o escândalo – é considerada legítima pela juíza. Onde está o crime, então?
A sentença considerou que Salvatore Alberto Cacciola, o dono do Marka, não poderia ter saído do episódio como “um homem ainda invejavelmente rico”. Não há qualquer referência ou informação contábil sobre o patrimônio de Cacciola, apenas a acusação repetida de que se tratava de um homem ganancioso que permaneceu rico. Se este “rico” corresponde a dois carros importados na garagem ou a muitos milhões de dólares no banco, não será por essa sentença judicial que o mundo ficará sabendo.
Literatura à parte, fica a dúvida de por que, exatamente, a juíza achou que o BC tinha a obrigação de confiscar as raquetes de tênis de Cacciola (ou que outros bens pessoais ele tivesse, informação que a sentença deixa no terreno do imaginário). Ana Paula Vieira reúne depoimentos indicando que a gestão do Marka foi temerária, dado o risco considerável, na ocasião, de uma desvalorização do real. Mas deixa de lado tudo o que retira dramaticidade da sua tese: que a desvalorização iria contra o próprio compromisso do governo com o FMI, que foi feita de maneira abrupta e atabalhoada, que ninguém poderia supor que seria uma desvalorização tão forte. E de sobremesa: que naquele momento, o ganancioso e espertalhão Cacciola era o único que não estava apostando contra a moeda nacional. E que seu banco, que era o seu grande patrimônio, virou pó.
Todas as alternativas acima podem estar corretas, mas estão mergulhadas numa névoa de subjetividade que a Justiça não conseguiu dissolver. Pelo menos não a ponto de concluir categoricamente – como fez – que Chico Lopes e seus subordinados desviaram dinheiro público em benefício particular de Cacciola.
A sentença parece uma salada de indícios e quase-certezas, que vão sendo enfileirados na aparente expectativa de que somem pelo menos uma certeza inteira. Uma dessas suspeitas, talvez a mais grave de todas, sugere que um fundo administrado por Cacciola na bolsa de Chicago, o Stock Máxima, responsável por uma fatia de 13 milhões de dólares do prejuízo, na verdade não tinha esta dívida com investidores. Isto é, Cacciola teria embolsado a quantia, e aí estaria a prova definitiva da sua picaretagem – da fraude com dinheiro público.
Mas aí vem o desalento: a investigação esbarrou no sigilo bancário e não produziu provas sobre os tais credores fictícios. A juíza então, no melhor estilo “assim é, se lhe parece”, transformou hipótese em fato e decretou não só que Cacciola embolsou o dinheiro, como que Chico Lopes sabia de tudo e foi cúmplice.
O capítulo sobre o “acerto” do crime de peculato é o mais literário de todos. A sentença se fixa em toda aquela espuma exaustivamente publicada pela imprensa – inclusive o tal bilhete de Cacciola para Chico Lopes, que por si só não quer dizer absolutamente nada, e que a investigação não relacionou a fato concreto algum. Mesmo assim a sentença apresenta-o como evidência de uma articulação escusa. Um momento fértil do Judiciário para reflexão do ministro Jobim.
E lá estão todos os outros elementos já folclóricos do escândalo Marka: o jatinho fretado pelo banqueiro para Brasília, seus intermediários na busca de contato com o presidente do Banco Central, incluindo aquele que se enche de vodca no hotel Saint Paul na véspera do café da manhã com Chico Lopes, que é seu amigo de infância. Tudo muito estranho. Ou tudo muito normal. O freguês escolhe, porque o enredo é só esse mesmo. (A sentença revela ainda que a quantidade de vodca consumida pelo intermediário de Cacciola foi de 21 doses. Enfim uma informação objetiva.)
Há ainda vários outros argumentos interessantes, como o fato de um dos donos do FonteCindam ser ex-funcionário do Ministério da Fazenda – fato apresentado pela doutora Ana Paula como razão sólida o bastante (sem mais um milímetro de investigação) para que Chico Lopes pretendesse favorecê-lo com desvio de dinheiro público.
Junte-se tudo isso, mexa-se bem, e tem-se um bando num incrível flagrante de assalto aos cofres públicos. Ou talvez um flagrante da Justiça trocando a espada pelo holofote.
no mínimo
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Arquivo do blog
-
▼
2005
(4606)
-
▼
abril
(386)
- VEJA Entrevista: Condoleezza Rice
- Diogo Mainardi:Vamos soltar os bandidos
- Tales Alvarenga:Espelho, espelho meu
- André Petry:Os corruptos de fé?
- Roberto Pompeu de Toledo:A jóia da coroa
- Baby, want you please come here - Shirley Horn, vo...
- O mapa da indústria GESNER OLIVEIRA-
- JANIO DE FREITAS:A fala do trono
- FERNANDO RODRIGUES:220 vezes "eu"
- CLÓVIS ROSSI :Distante e morno
- PRIMEIRA COLETIVA
- Dora Kramer:Lula reincorpora o candidato
- AUGUSTO NUNES :Entrevista antecipa tática do candi...
- Merval Pereira:Mãos de tesoura
- Miriam Leitão:Quase monólogo
- O dia em que o jornalismo político morreu
- Eles, que deram um pé no traseiro da teoria política
- Lucia Hippolito: O desejo de controlar as informações
- Goin way blues - McCoy Tyner, piano
- O novo ataque ao Copom - LUIZ CARLOS MENDONÇA DE B...
- JANIO DE FREITAS :Mensageira da crise
- FHC concedeu coletiva formal ao menos oito vezes
- CLÓVIS ROSSI :Todos são frágeis
- ELIANE CANTANHÊDE :Pelo mundo afora
- NELSON MOTTA:Coisas da política ou burrice mesmo?
- Dora Kramer: PFL quer espaço para Cesar
- Miriam Leitão:Dificuldade à vista
- Luiz Garcia :Tiros sem misericórdia?
- Merval Pereira:Barrando o terror
- Villas-Bôas Corrêa: A conversão de Severino
- Lucia Hippolito: A hora das explicações
- Let’s call this - Bruce Barth, piano
- CÂMBIO VALORIZADO
- CLÓVIS ROSSI :Quem manda na economia?
- ELIANE CANTANHÊDE :"Milhões desse tipo"
- DEMÉTRIO MAGNOLI:Preto no branco
- LUÍS NASSIF :As prestações sem juros
- Dora Kramer:À sombra dos bumerangues
- Miriam Leitão:Erro de identidade
- Merval Pereira:Sentimentos ambíguos
- Guilherme Fiuza:A culpa é do traseiro
- Georgia on my mind - Dave Brubeck, piano.
- Lucia Hippolito: Ele não sabe o que diz
- PALPITE INFELIZ
- TUDO POR UMA VAGA
- CLÓVIS ROSSI:Presidente também é 'comodista'
- FERNANDO RODRIGUES:Os traseiros de cada um
- "Liderança não se proclama", afirma FHC
- O dogma de são Copom- PAULO RABELLO DE CASTRO
- LUÍS NASSIF:Consumo e cidadania- ainda o "levantar...
- Dora Kramer:Borbulhas internacionais
- Zuenir Ventura:Minha pátria, minha língua
- ELIO GASPARI:Furlan e Bill Gates x Zé Dirceu
- Miriam Leitão: Nada trivial
- Merval Pereira:Palavras ao léu
- REFLEXOS DO BESTEIROL
- Villas-Bôas Corrêa: A greve das nádegas
- AUGUSTO NUNES:O Aerolula pousa no mundo da Lua
- VEJA:Jorge Gerdau Johannpeter
- XICO GRAZIANO:Paulada no agricultor
- Por que ele não levanta o traseiro da cadeira e fa...
- Lucia Hippolito: Eterno enquanto dure
- Luiz Garcia:Sandices em pleno vôo
- Arnaldo Jabor:Festival de Besteira que Assola o País
- Miriam Leitão:Economia esfria
- Merval Pereira:Liberou geral
- GUERRA PETISTA
- Clóvis Rossi:Apenas band-aid
- ELIANE CANTANHÊDE:De Brasília para o mundo
- JANIO DE FREITAS:Os co-irmãos
- Dora Kramer: Sai reforma, entra ‘mudança pontual’
- AUGUSTO NUNES O pêndulo que oscila sobre nós
- Resgate em Quito (filme de segunda)
- Round midnight - Emil Virklicky, piano; Juraf Bart...
- Reforma política, já- Lucia Hippolito
- INCERTEZA NOS EUA
- VINICIUS TORRES FREIRE :Bento, Bush e blogs
- FERNANDO RODRIGUES: Revisão constitucional
- Os trabalhos e os dias- MARCO ANTONIO VILLA
- Zelão / O Morro Não Tem Vez - Cláudia Telles
- Fora de propósito
- JOÃO UBALDO RIBEIRO:Viva o povo brasileiro
- Merval Pereira: O desafio das metrópoles
- Miriam Leitão:Música e trégua
- DEMOCRACIA INACABADA
- GOLPE E ASILO POLÍTICO
- CLÓVIS ROSSI:A corrida pela esperança
- ELIANE CANTANHÊDE:Asilo já!
- ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES: Reforma tributária e ga...
- ELIO GASPARI:A boca-livre deve ir para Quito
- JANIO DE FREITAS:Sonho de potência
- LUÍS NASSIF Racismo esportivo
- Quando as cidades dão certo - JOSÉ ALEXANDRE SCHEI...
- AUGUSTO NUNES: O encontro que Lula evita há dois anos
- O depoimento de uma brasileira no Equador
- Sabiá - Elis Regina]
- Diogo Mainardi:A revolução geriátrica
- Tales Alvarenga:Assume mas não leva
- André Petry: Isso é que é racismo
- Roberto Pompeu de Toledo:Fato extraordinário:um pa...
-
▼
abril
(386)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA
Nenhum comentário:
Postar um comentário