Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, abril 15, 2005

Bobagens d’África Por Reinaldo Azevedo


Essa conversa mole só serve para justificar o substrato que dá curso a algumas políticas internas delirantes de suposta reparação racial


As declarações de Lula na África são uma bobagem da primeira à última palavra. Ele se tornou um colonizador europeu por acaso? Pedir, em nome do Brasil, perdão aos africanos pela escravidão corresponde a excluir os negros (5,9% da população) da condição de brasileiros, a menos que também eles sejam beneficiários do, sei lá, pecado histórico pelo qual Lula se desculpa.

Caso incluamos, como querem os militantes da minoria negra, os autodeclarados “pardos” (41,4% segundo o IBGE) na ampla categoria dos afro-descendentes (também eles, supõe-se, vítimas da escravidão, não seus beneficiários), então Lula cassou a cidadania de 47,3% dos brasileiros. É um prodígio esse homem. Foi ao Senegal para praticar racismo no Brasil: considerou brasileira — e, pois, aptos à desculpa — apenas a maioria dos 52,1% de brancos.

Pobre Lula! E minha exclamação só faz sentido porque incluo a fala desta quinta em mais uma da série do que chamo “Batatadas do Pestana”. Pestana, sabem, né?, aquela personagem de Machado de Assis que queria compor sinfonia e era mesmo expert em polca. Para começo de conversa, se fosse o caso de pedir perdão pela escravidão, isto é, se essa história devesse ser recontada segundo a lógica das culpas, não são menos culpadas as tribos do hoje Senegal que faziam adversários prisioneiros e os vendiam aos traficantes. A Europa contemporânea ou o Brasil contemporâneo são tão “culpados” pela servidão quanto o Senegal contemporâneo. Vale dizer: não têm culpa nenhuma.

Essa conversa mole só serve para justificar o substrato que dá curso a algumas políticas internas delirantes de suposta reparação racial, que nada fazem além de introduzir no país um entendimento da questão que o faz andar para trás, não para a frente. Além, é claro, de praticar ilegalidades, tratando como desiguais cidadãos nascidos iguais perante a lei.

Dados de várias pesquisas, inclusive aquelas que o governo brasileiro usa para justificar cotas raciais em universidades, por exemplo, indicam que o país está superando o que pode haver de herança de discriminação racial (clique aqui para ler A Farsa das Cotas). Há, sim, preconceito no Brasil, mas é contra pobre — como em qualquer lugar do mundo —, não contra preto. Se Lula pedisse menos desculpas infundadas e tivesse uma política de juros mais responsável, certamente estaria contribuindo para melhorar a vida de muitos pobres, sejam eles pretos ou brancos. Pede perdão aos senegaleses, mas não aos brasileiros.

Parece que todo mundo ficou emocionado por lá: o próprio Lula, Gilberto Gil e também Abdoulaye Wade, presidente do Senegal. Essa gente sabe como chorar na hora certa. No caso de Wade, então, vai ver sentia saudades da França, onde, na verdade, mora sua mulher, onde está a sua casa e onde passa boa parte do ano, que ninguém é de ferro.

Certamente faria um bem a seu país, uma democracia bem relativa — muito menos “democrática” do que a África do Sul, por exemplo, que copiou o modelo ocidental —, se mudasse leis como a que pune a publicação de material que estimule a “desordem” ou que ponha “notícias falsas” para circular. Vale dizer: há censura disfarçada. É o padrão Chávez de liberdade de imprensa. Deve desculpas a seus contemporâneos senegaleses.

A história do Senegal — e sugiro aos internautas que façam uma breve pesquisa a respeito —, desde a independência, em abril de 1960, deixou-se marcar, sim, por alguns traumas: nenhum que não tenha sido obra de... senegaleses! Um dos maiores massacres da história do país ocorreu em 1998, na região de Casamance: forças militares oficiais quase dizimaram a população local. Ninguém pediu desculpas. Parece que negro massacrando negro deve ser visto como coisa corriqueira, lá deles. Faltaria a um dos lados aquela superioridade que confere a competência para pedir desculpas, como faz Lula — o que é, evidentemente, uma perspectiva racista. De novo! Tem mais: segundo os critérios da militância negra mais radical e dos brancos racistas não menos, Lula nem branco é. As desculpas deveriam ter sido pedidas, sei lá, por Henrique Meirelles talvez...
Pátria de chuteiras e sem cabeça
Vá lá que o jogador argentino que teria ofendido o brasileiro com palavras racistas sofra as conseqüências da legislação brasileira. É do jogo. Mas daí a entrar na dividida, por meio de dois ministros, o próprio governo brasileiro vai uma distância imensa, gigantesca. Se houve ofensa, quem a praticou foi um cidadão argentino, um ser, como direi?, privado. Não foi um agravo praticado pelo Estado do país vizinho.

O governo Lula pega carona na questão e faz embaixadinha vagabunda para levantar a torcida. Só será uma questão de Estado quando os dois governos tiverem de tratar da pena a ser aplicada por um crime praticado por um cidadão de um deles no domínio do outro. Antes desse ponto, qualquer outra manifestação é bola fora ou canelada. Mas, ora, ora, se podemos tirar uma casquinha de argentinos até num caso como esse, por que não? A patuléia aplaude. Se é para combater o racismo, a legalidade e a propriedade dos atos não contam, não é mesmo?

Se o argentino falou mesmo ao brasileiro o que dizem, este tem razão de se ofender. Se uma lei existe que responda à sua indignação, que a acione. Mas essa questão é um pouco mais complicada do que parece.

Dia desses, participei de um debate sobre cotas raciais nas universidades. Sou contra, é óbvio. Um dos debatedores, num momento de rara elegância teórica, me chamou de “branco azedo”. O “branco” se auto-explica porque é fato, embora tenha sido dito como ofensa; o “azedo” era uma referência à minha opinião e um trocadilho boboca com o meu sobrenome. Disse que, a rigor, poderia processá-lo por aquilo. Ele riu de mim. Fez bem. Era uma piada mesmo. Uma militante, mestiça, afirmou que as minhas opiniões eram típicas de um “macho branco”. Pelo “macho” até agradeci, embora não tenha entendido o que isso tinha a ver com cotas raciais. Já o “branco” tomei como ofensivo. Como não levo desaforo para casa, respondi: “Branca é você!”, o que, claro, ela também é — ao menos 50%.

Mas, à diferença de Grafite, eu não teria a quem reclamar. Se denunciasse crime de racismo, era capaz de o delegado me prender ou me mandar para o hospício. “Lagartixa”, “barata descascada”, “alemão nazista”, “branco azedo”, “assombração”, “Nosferatu”, “Vampiro” e coisas assim para designar brancos são consideradas apenas linguagem figurada. É como se isso não fosse xingamento capaz de manchar uma falsa superioridade imanente. Também isso não seria racismo?

Pessoalmente, acho isso tudo de uma irrelevância clamorosa. E só escrevo a respeito porque o imbróglio remete a questões públicas. Lastimável, de verdade, é o governo pegar carona no episódio e usá-lo para alimentar rixas tão antigas como inúteis. Só falta agora a gente exigir um pedido de desculpas do Kirchner... Se ele não aceitar, podemos tentar negociar o fim das cotas que limitam a nossa exportação de fogões e geladeiras. Se ele não aceitar nem isso, a gente continua a queimar o filme dele com o FMI.

Assim é que não pode fica
r!

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