Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, dezembro 09, 2008

O bagaço da laranja Dora Kramer


O Estado de S. Paulo - 09/12/2008

Difícil vai ser o PT convencer alguém com neurônios em estado razoável de conservação. Noves fora esse detalhe, é perfeita a estratégia do partido de transferir a culpa da crise econômica para o PSDB: se os tucanos importaram o modelo e ele desmorona, é preciso eleger uma pessoa comprometida com a mudança.

Seria apenas elementar o silogismo não fosse tosca e, sobretudo, cínica a tentativa do PT de ficar no poder mediante a reinvenção de um discurso de crítica aos fiadores originais da política econômica adotada pelo partido em dois períodos consecutivos frente à Presidência da República.

Isso depois de se negar a dividir com os autores os bons resultados obtidos ao longo de seis anos, de se apropriar do fim da inflação, da estabilidade da moeda e de todos os fundamentos, cuja adoção anterior permitiu ao governo Luiz Inácio da Silva desfrutar dos efeitos da bonança internacional e amealhar respeitável patrimônio de 70% de popularidade.

Tal decisão não é fruto de opiniões isoladas, coisa daquela ala antigamente denominada xiita. Foi anunciada pelo tesoureiro do partido - "É a crise de um modelo do qual o governo FHC e o DEM foram os grandes patrocinadores no Brasil" - e corroborada pelo presidente da agremiação, deputado Ricardo Berzoini.

"Eles (os partido hoje de oposição) avalizaram o movimento neoliberal no Brasil", disse Berzoini todo convicto de que o ataque pesado à política inaugurada nos anos 90 é a saída ideal para o PT tentar eleger Dilma Rousseff ou quem quer que venha a ser o candidato, ou candidata, oficial à sucessão de Lula.

Pelo que se depreende do debate ocorrido entre dirigentes petistas no último fim de semana no interior de São Paulo, o partido pensa em patrocinar uma volta às origens, a fim de se credenciar ao recomeço; de preferência do zero naquilo que for conveniente.

Por exemplo: anula-se o desgaste de dois mandatos, a desmoralização resultante dos escândalos, a banalização das más companhias, a degeneração fisiológica, a perda da bandeira da ética em algum lugar no meio desse caminho e volta-se a preconizar ao eleitorado a "mudança".

A motivação para se dar um "boot" na máquina seria um problema, mas eis que a crise econômica surge para dar a solução aparentemente ideal: ao mesmo tempo permite ao PT dar o dito pelo não dito e ainda é uma maneira de atacar o principal candidato, o tucano José Serra, em primeiro lugar nas pesquisas.

O singular é que a nenhum dos dirigentes tenha ocorrido a hipótese de a argumentação soar tenebrosa ao eleitorado, do ponto de vista, senão da coerência (preceito devidamente revogado), pelo menos da amoralidade.

Evidentemente, o PT não espera que no meio da turbulência de conseqüências ainda desconhecidas o "seu" governo vá mudar radicalmente o rumo das coisas. Portanto, no essencial a política segue como está.

Sendo assim, como é que o PT pode pensar que o eleitor vá votar no representante de um governo que faz uma coisa, cujo partido diz que está errada, e promete, se eleito, fazer tudo diferente?

Como espera que alguém acredite que a responsabilidade seja dos dois partidos de oposição que estão há seis anos assistindo à comemoração do desempenho de uma política, sem direito a um mísero ingresso para a festa?

Pois então o governo usa e abusa de uma herança dita "maldita" no início, usufruiu de todos os méritos, subtrai do registro da História a assinatura dos autores e, quando o vento vira, devolve o capital dilapidado e sai ileso dizendo que não tem nada a ver com isso?

Foi isso o que propôs o PT em seu encontro de São Roque. Agora, pode ter havido um mal entendido. Se houve, urge o PT esclarecer as coisas o quanto antes.

Sob pena de fazer fama de mau caráter na praça, de querer crescer à custa de difamação, de não ter aplicado a fórmula correta a tempo de evitar o desastre e, pior, de não ter uma única idéia nova a apresentar ao eleitorado para justificar sua permanência no comando na Nação.

Antes que o leitor lembre a ausência de pensamentos (qualquer um, novos ou velhos) também na oposição, cumpre registrar ser este um fato sobejamente conhecido. Quem se apresentou ao debate com a novidade da estação foi o PT e, com isso, reservou mesa de pista na berlinda.

Mas admitamos que seja isso mesmo, que o PT pretenda reeditar em 2010 o discurso de 2006, atacando os neoliberais, os privatistas, os fiéis seguidores do Banco Central etc.

Ver-se-á frente a frente com um adversário de "top" semelhante. Com a diferença que José Serra discorre a respeito desse conteúdo de uma forma muito mais consistente, concorde-se com ele ou não.

Se o intuito do PT for justamente se preparar para enfrentar o adversário no campo localizado à esquerda, vai precisar de um invólucro melhor do que este da devolução da herança na antiga versão maldita, depois da satisfação obtida ao longo de dois mandatos consecutivos.

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