Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 18, 2008

A saborosa comida de hospital

Dá até gosto

Acredite: comida de hospital pode não ser intragável como...
comida de hospital. Muitos já se preocupam em servir refeições
de verdade – gostosas, bem-apresentadas e quentinhas


Adriana Dias Lopes

Fotos Denise Adams e Pedro Rubens

SOB MEDIDA PARA O DOENTE
Em tratamento contra a leucemia, Maurício escolhe o que e quando comer.
Abaixo, alguns dos 37 cardápios do Hospital São Luiz, em São Paulo



Desde maio passado, Maurício Ramos da Silva de Alencar, de 5 anos, viu-se obrigado a adotar uma rotina bem diferente da dos garotos de sua idade. Duas vezes por mês, ele vai ao Hospital Albert Einstein, em São Paulo, para submeter-se a um tratamento contra a leucemia. Na sua idade, a chance de cura é altíssima, mas, para alcançá-la, o menino enfrenta penosas sessões de quimioterapia e injeções com doses elevadas de antibióticos. Maurício, no entanto, tem um prazer no hospital: a hora das refeições. "São os momentos de maior alegria para meu filho: ele adora a comida", diz a mãe, Liliam. "Aqui, come até cenoura." Bem temperada, a refeição é servida de modo a formar figuras de bichinhos nos pratos decorados com motivos infantis. E, caso Maurício não esteja disposto a se alimentar nos horários regulamentares, a comida volta quando ele pedir – e vem sempre quentinha. A refeição do menino (com direito até a "batata frita de carinha") é resultado de uma abordagem que começa a ganhar espaço nos hospitais brasileiros – especialmente nos particulares das grandes cidades –, a de que os cuidados com a alimentação vão além das necessidades e restrições nutricionais dos pacientes. É claro que é fundamental levar tais fatores em conta, mas a comida de hospital não precisa nem parecer, nem ter gosto de... comida de hospital.

Um estudo realizado por médicos da Universidade de Berna, na Suíça, e publicado na revista científica American Journal of Clinical Nutrition, mostra que a internação por si só é um inibidor de apetite. O paciente ou não come por causa da doença ou do tratamento (ou de ambos), ou até tem fome, mas perde a vontade de se alimentar devido ao ambiente hostil. A comida oferecida, em geral, também não ajuda. Insossa, sem cor e jogada de qualquer maneira sobre o prato, ela ainda costuma chegar fria ao quarto. Difícil de engolir, literalmente. "Para quebrar a inapetência dos pacientes, é necessário que as refeições sejam prazerosas", escreve o endocrinologista Stanga Zeno, coordenador do estudo suíço – uma obviedade para quem já foi internado.

Com refeições gostosas, bem-apresentadas e cheirosas, é batata (perdão pelo trocadilho): o paciente se alimenta melhor. Bem nutrido e satisfeito, ele tende a cooperar mais com a equipe médica, o que até pode acelerar a sua recuperação. Não é fácil, porém, transformar um cardápio repleto de proibições como é o dos hospitais em algo apetitoso. Dois dos ingredientes mais usados para dar sabor a um prato são bastante nocivos à maioria dos pacientes: o sal e a gordura. A gastronomia hospitalar surgiu justamente na tentativa de superar limitações desse tipo. No início, ela tentou reproduzir nas cozinhas hospitalares o esmero e a criatividade dos chefs de restaurantes estrelados. Oferecia, assim, faisão, filé de cordeiro, fundo de alcachofra e outras iguarias. Não deu muito certo. "Por mais requintada que seja a pessoa, quando está no hospital o que ela quer mesmo é uma comida mais parecida com o trivial de sua casa", diz Gisele Di Dio, professora do curso de tecnologia em gastronomia do Centro Universitário Senac. Diante dessa constatação, a gastronomia hospitalar enveredou por um cardápio mais caseiro.

Uma pesquisa da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, avaliou a opinião de cerca de 1 000 pacientes hospitalizados – homens e mulheres, de 18 a 60 anos – sobre os pratos que mais lembravam os de casa. Os preferidos foram purê de batata, canja, macarrão e biscoitos. Eram comuns relatos do tipo: "Quando eu era pequeno e ficava acamado, minha mãe sempre me preparava uma canja" ou "Depois dos treinos de beisebol na escola, eu tinha o costume de comer biscoitos". No Hospital Oswaldo Cruz, em São Paulo, mesmo entre os pacientes sem maiores restrições alimentares, o chuchu com carne moída e o purê de mandioquinha são os mais pedidos (pois é, chuchu). No Hospital Sírio-Libanês, na capital paulista, o carro-chefe é a almôndega. Não há sobremesa mais solicitada no Moinhos de Vento, em Porto Alegre, do que o tradicional strudel. "É um desafio preparar refeições simples, gostosas e que respeitem as restrições médicas", diz o chef Cézar Cassiano, do Hospital São Luiz. Ele tem à sua disposição uma horta orgânica de 80 metros quadrados com trinta tipos de tempero e flores comestíveis. A apresentação e a temperatura também se tornaram alvo de atenção nos centros de saúde mais caros. Os famigerados pratos de plástico vêm sendo substituídos pelos de louça.

Os hospitais estão investindo ainda em cardápios mais diversificados. O São Luiz, por exemplo, dispõe de 37 variedades de dieta – cada uma com opções de entrada, prato principal, acompanhamento, sobremesa e bebida. No Hospital Quinta D’Or, no Rio de Janeiro, no ato da internação, o paciente preenche um "inquérito alimentar", no qual lista suas comidas prediletas. Depois de passarem pelo crivo da equipe de nutricionistas, as preferências de cada doente são devidamente atendidas. As exigências mais comuns? Que não faltem a sopa de batata-baroa (ou mandioquinha) e a compota de pêssegos – como em casa.

Fotos Denise Adams e Liane Neves

NÃO PARECE, MAS É COMIDA DE HOSPITAL
À esquerda, as almôndegas do Sírio-Libanês, em São Paulo, e, à direita, o strudel do Moinhos de Vento, em Porto Alegre

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