Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, outubro 22, 2008

O Rio resgatou o direito de sonhar Augusto Nunes



José Dirceu de Oliveira sempre foi chegado a um disfarce. Ora com o nome que aparece na certidão de nascimento, ora rebatizado de Carlos Henrique Gouveia de Mello, às vezes com o codinome Daniel, outras camuflado pelo apelido de Pedro Caroço, já se disfarçou de estudante revolucionário, melhor aluno do cursinho de guerrilha, guerrilheiro diplomado, negociante de gado, migrante mineiro querendo subir na vida no interior do Paraná, noivo apaixonado, marido amantíssimo, dono de loja de artigos masculinos, pai extremoso, freqüentador do botequim da esquina e consultor de empresas.

Como nem um Marlon Brando teria conseguido alterá-lo se também fosse mineiro de Passa Quatro, o sotaque sempre foi o mesmo. Mas a cara foi modificada por cirurgias plásticas e a cabeça repovoada por fios implantados. O nariz foi adunco e foi aquilino, já sobrou o cabelo que agora falta. Dirceu sempre caprichou na interpretação. E anda cada vez mais inventivo, soube-se domingo passado. Para embarcar na candidatura de Eduardo Paes, disfarçou-se de carta à redação e expropriou meia página da edição do JB . Ali entrincheirado, reiterou que o espetáculo da deselegância que esgotou a paciência de Fernando Gabeira só existiu na imaginação do deputado.

Dirceu passou cinco anos dizendo a Clara Becker, com quem se casara e tivera um filho em Cruzeiro do Oeste, que se chamava Carlos Henrique Gouveia de Mello. Cinco anos depois da grosseria consumada em 10 de outubro de 2003, ainda procura retocá-la com a mão da esperteza. Até admite que deixou Gabeira (e outros quatro convidados) esperando mais de uma hora. Mas jura que, primeiro, abriu a reunião e que não estava interessado em dissuadir o deputado de abandonar o PT. Só queria ouvi-lo sobre a política ambiental do governo. "Ele podia protestar pela minha saída da reunião", insiste a carta à redação. "Por que não fez isso?". Decerto por ter acreditado na frase que Carlos Henrique disse a Clara Becker ao embarcar rumo a São Paulo e Dirceu repetiu ao levantar-se da mesa: "Volto já".

Gabeira contou no mesmo dia que a arrogância do anfitrião só apressou o anúncio da decisão inspirada "no conjunto da obra". A carta segue insinuando que o deputado saiu do PT empurrado por uma desfeita imaginária. Eduardo Paes não perderia a paciência por tão pouco, claro. É um prefeito assim o Rio merece.

Nem todos os que estão com Eduardo Paes são o que há de pior na política do Rio. Mas tudo o que há de pior na política do Rio está com Eduardo Paes. E também o que há de pior em outros Estados, avisa a adesão de Dirceu. Ele vai dividir seu tempo entre a velha guarda do PT paulista, cujo enredo homenageia Marta Suplicy, e o desfile no Rio. O ex-presidente da União Estadual dos Estudantes de São Paulo brilhará ao lado de dois velhos companheiros que se destacam na ala dos desertores de 1968: Carlos Alberto Muniz e Vladimir Palmeira.

Há 40 anos, Muniz presidia a União Municipal dos Estudantes. Hoje é o candidato a vice de Eduardo Paes. "Eu vivia aparecendo naqueles cartazes de procurados", sorri Muniz ao recordar os tempos da luta armada. Filiado ao PMDB desde o retorno do exílio, logo virou cartola vitalício de um partido atulhado de procurados por distintos motivos. Convive amistosamente com Garotinho, Benedita da Silva, Jorge Picciani. Não tem reparos a fazer às delinqüências dos vigaristas amigos do MR-8, nem aos justiceiros dos morros que distribuem panfletos acusando Gabeira de "terrorista".

Vladimir Palmeira desceu a ladeira pela rota do PT. Na reunião que oficializou o apoio do partido a Eduardo Paes, o candidato a prefeito tinha à sua direita o mais carismático líder de 1968 e, à esquerda, o vereador eleito Babu, irmão do deputado Babu, acusado de envolvimento com grupos de extermínio. Vladimir elogiou o candidato com a mesma veemência exibida há 40 anos na Cinelândia.

Ele estava discursando no momento em que, de costas para o orador, Evandro Teixeira fotografou milhares de jovens com os rostos iluminados pela confiança, pela ingenuidade, pela esperança, como quem vê o futuro ao alcance da mão. A foto de Evandro mostra a cara de 68. O olhar tem o brilho dos que não renunciaram ao sonho.

É parecida com a cara dos que sonham com a vitória de Gabeira.

Arquivo do blog