blog Noblat
Para um país indicado a sediar a copa do Mundo de 2014, o crime de Santo André deixou claro ser o Brasil uma temeridade em matéria de gerenciamento de crise. Não desqualifico a tropa. Trata-se da elite da mais bem-preparada Polícia Militar do mais importante Estado brasileiro. Perfeitamente, o grande erro, entre inúmeras bobagens nas negociações, foi do comando da operação ao demonstrar medo de aplicar a lei.
A PM tinha a legítima defesa ao seu lado, mas renunciou à prerrogativa legal para praticar o falso humanismo. A polícia em ação de tal natureza não pode se contaminar pelo pieguismo e fazer o papel de assistente social, do contrário vira exército Brancaleone. Em uma crise que envolva seqüestro ou cárcere privado, a prioridade é sempre salvar o refém, com a maior brevidade possível e ter no planejamento da ação a possibilidade de reação ao agressor.
A tropa de elite possui atiradores de precisão treinados para esse tipo de intervenção. Eles tiveram pelo menos seis ocasiões, segundo o coronel comandante, para que os snipers pudessem encerrar o episódio com a libertação das reféns em segurança, o único resultado positivo a ser colhido na operação. Perderam a oportunidade por temor de cumprir o próprio dever, ao que parece para ficar bem com a opinião pública.
Que opinião pública? A platéia que acorreu ao local do crime e fez vigília durante os cincos dias de crise? Os telespectadores de um programa televisivo de fofocas, cuja apresentadora conseguiu entrevistar o criminoso ao vivo? O brasileiro tem atração fatal pela tragédia. Por aqui acontecem 37 mil mortes por acidentes de transporte por ano, mesmo assim qualquer batida de esquina atrai um monte de desocupados. É demais o comando de gerenciamento da crise agir em atenção aos curiosos como se tivesse sido picado pela mosca midiática.
O primeiro equívoco da operação de resgate das adolescentes foi tratar o episódio como travessura de um garoto de coração partido. Conversaram demais e patrocinaram até conferência das autoridades presentes em forma de análises psicológicas e considerações paternais. Não criaram as dificuldades de sobrevivência no local do cativeiro. Deram ao bandido a sensação de comando em vez de extenuá-lo.
Além do fornecimento de víveres, o criminoso tinha à disposição a TV ligada para assistir ao vivo o seu momento de celebridade. As autoridades falharam também no que se refere à capacidade de inteligência instalada, por isso improvisaram a invasão do cativeiro após cem horas de lero-lero e uma refém a mais para libertar depois do inacreditável retorno ao cativeiro da adolescente Nayara.
A morte de Eloá Cristina Pimentel da Silva tem a face da hipocrisia da segurança pública: o bandido sobrevive para contar a história e a vítima é homenageada no velório. Trinta mil compareceram ao seu enterro nesta terça-feira de trabalho.