Aqui, Henrique Meirelles, o presidente do Banco Central do Brasil, quer preservar o grau de autonomia que tem e não se meter. Para ele, o fole que aumenta ou diminui as despesas do governo é coisa que os políticos devem decidir. Prefere manter-se na esfera estritamente monetária, a que lida com os juros.
É claro que as duas matérias, a fiscal e a monetária, estão interligadas. Qualquer um sabe que o Banco Central do Brasil poderia operar com juros bem mais baixos se o governo tratasse de equilibrar suas contas. Se o governo gasta demais, como agora, e isso aquece demais o consumo e coloca em risco a meta de inflação, Meirelles se limita a puxar pelos juros, de maneira a compensar os excessos na área fiscal.
Segunda-feira, Ben Bernanke, o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), passou o recado de que o Congresso americano deve, sim, baixar um alentado pacote fiscal, supostamente de até US$ 300 bilhões, que estimule a atividade produtiva. E interferiu na fervura do caldeirão fiscal justamente contra as posições do presidente Bush, radicalmente contrário a um novo pacote.
Mais do que isso, com essa posição externada a duas semanas das eleições presidenciais no país, o republicano Bernanke favoreceu inequivocamente a candidatura do senador democrata Barack Obama, o adversário do próprio presidente Bush.
Até agora, todas as tentativas do Partido Democrata de aprovar medidas fiscais para incentivar o emprego e o consumo foram sumariamente repelidas por Bush.
Bernanke o deixa numa situação particularmente difícil. Se Bush continuar rejeitando a proposta de aumento das despesas públicas para evitar a paradeira econômica, tende a aumentar a má vontade do eleitor contra o candidato republicano, John McCain. Se, ao contrário, decidir-se a favor da proposta tão intensamente defendida pelos democratas, ajudará a candidatura de Obama.
Pode-se argumentar que Bernanke não está olhando para os efeitos políticos de suas declarações; que está apenas interessado em criar condições que tirem a economia americana da estagnação, o que não deixa de ser dever institucional do presidente do Fed. E, de fato, há razões para assim raciocinar. Os juros básicos (Fed funds) nos Estados Unidos são hoje de 1,5% ao ano. Provavelmente na próxima quarta-feira baixarão mais alguma coisa. E aí os Estados Unidos estarão no limiar da síndrome japonesa, a situação que prevaleceu no Japão nos anos 90 e até agora não superada, em que os juros muito próximos de zero não podem mais baixar e, assim, tiram capacidade de manobra do banco central na condução da política monetária.
Assim, antes que fossem arrancados seus dentes e suas garras, o tigre Bernanke estaria se antecipando, encorajando a adoção de instrumentos fiscais para que possa preservar alguma iniciativa na área monetária.
Enfim, pelo menos neste caso, um presidente de grande banco central não vacila em meter sua colher no caldeirão da política fiscal.
Confira
Meteram a mão - Paradoxalmente, o argentino médio vai gostar da estatização da previdência privada anunciada ontem em Buenos Aires pela presidente Cristina Kirchner.
É que há cinco anos o governo argentino vem aumentando as aposentadorias do setor público, enquanto as do setor privado ficaram para trás.
A jogada é a de que o governo se apropriará de pelo menos US$ 4,5 bilhões em arrecadação previdenciária prevista para o ano que vem e vai fazer o que bem entender com esses recursos. Ficará para outro governo pagar (ou não) o seqüestro desse patrimônio.