Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 11, 2008

Nova geografia eleitoral Merval Pereira

NOVA YORK. Qual a conseqüência política de uma eleição municipal em que o vitorioso claro foi o PMDB: teve 18,6% dos votos; elegeu o maior número de vereadores; é o único partido a disputar as três decisões mais importantes em segundo turno, em São Paulo, Rio e Belo Horizonte, nos dois últimos com candidato próprio, e em São Paulo dando a vice da chapa de Gilberto Kassab. Além disso, o PMDB foi o que mais cresceu entre os grandes, com um aumento de nada menos que 195% de votos entre 2004 e hoje. O Sudeste, onde foi derrotado no interior do Rio, São Paulo e Minas, foi a única região onde o PMDB perdeu.
Aumentou em 95% o número de prefeituras no Norte, 25% no Nordeste, 51% no Centro-Oeste e 5% no Sul.

Entre as capitais e os 53 municípios com mais de 200 mil eleitores, equivalentes a 36,4% do total do eleitorado, PT, PMDB e PSDB são os vencedores.
O PT venceu em 13 cidades e disputará o segundo turno em outras 15. O PMDB e o PSDB venceram nove primeiros turnos cada um e disputam o segundo turno em outras dez.
O PT, que esperava chegar às mil prefeituras no país com a popularidade do presidente Lula — meta, aliás, que vem de 2004 — cresceu, mas nem tanto. O PT, que passou por vários períodos, começou como um partido de intelectuais e da classe média, depois virou um partido corporativo, especialmente dos sindicatos e, mais especificamente, dos funcionários públicos, perdeu com o mensalão a influência na classe média e nas grandes cidades, teve que ir para o Nordeste e, nesta eleição municipal, não conseguiu conquistar nem mesmo a nova classe média ascendente das regiões Sul e Sudeste.
A incapacidade de transferir seu prestígio popular para eleger Marta Suplicy em São Paulo no primeiro turno acabou colocando em xeque a estratégia do presidente Lula de fazer da ministra Dilma Rousseff a candidata do PT à sua sucessão. O reforço político do PMDB já se revela na pressão para que o presidente não tente ajudar candidatos petistas em estados onde a disputa é com o PMDB, como na Bahia ou no Rio Grande do Sul.
Além de tornar mais caro o apoio do partido nos últimos anos de governo, é provável que o PMDB não consiga se unir em torno nem de uma candidatura própria, nem para apoiar uma candidatura do PT, dividindo-se para governar no pós-Lula.
O sociólogo Hamilton Garcia, do Centro de Ciência do Homem da Universidade Estadual do Norte Fluminense, vê uma diferença básica entre o PT e o PMDB: “O PT se guia pela conquista dos interesses imediatos das corporações que o integram, reduzindo o programa societário de esquerda a um minimalismo anti-inflacionário e assistencial, mantém seus vínculos populares corporativos, enfraquecendo sua cultura de esquerda, mas sem se reduzir ao peemedebismo”.
Para Garcia, “enquanto o fisiologismo e a corrupção são a alma e o oxigênio do PMDB, para o PT e o PSDB eles não passam de instrumentos de governabilidade, pois suas bases sociais estão muito bem delimitadas”.
Já o cientista político Fernando Lattman Weltman, da Fundação Getulio Vargas, não concorda que o fortalecimento do PT no Nordeste tenha a ver com a perda de prestígio entre a classe média devido ao escândalo do mensalão: “Ele se tornou muito mais poderoso lá por força das políticas sociais e de redistribuição de renda postas em prática pelo governo Lula já bem antes do estouro da crise, em 2005; a rigor, sem o mensalão, muito provavelmente Lula já teria ganhado a reeleição no primeiro turno de 2006, de lavada, também no Sudeste, e talvez até no Sul, onde as variáveis econômicas talvez não lhe fossem tão favoráveis”.
Weltman lembra que não é só o PT que muda: “O DEM também é um ótimo exemplo: deixa de ser importante no Nordeste e tenta se renovar — mudando de nome, inclusive — para aproximar-se das classes médias do Sul e Sudeste. É claro que militantes históricos, mais ou menos puristas de suas identidades partidárias, podem ficar incomodados com isso, mas é da competição democrática pelo poder numa sociedade dinâmica”, analisa o cientista político da FGV.
Para Paulo Roberto Figueiredo, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, esse eleitorado que dá vitórias ao PT em muitos lugares nos quais o partido tinha pouca entrada, como no interior do Nordeste, não é uma base eleitoral petista, mas “lulista”: “Na verdade, creio que o ‘petismo’ e o ‘lulismo’ podem até convergir em momentos ou em lugares específicos mas, no fundo, são forças cada vez menos coincidentes”.
Para ele, um estudioso do PT, “o projeto de Lula demonstrouse de tal modo personalista que não há garantias de transferência sistemática, pelo menos não de modo sustentável e perene, dos votos ‘lulistas’ para o PT em eleições futuras”.
Num momento excepcionalmente bom em termos de avaliação do governo federal e de Lula, Paulo Roberto Figueiredo faz uma análise do desempenho do PT “naquela que outrora foi sua base fundamental, as capitais do eixo Sul-Sudeste” e chega à conclusão de que foi “apenas razoável”: O PT venceu em Vitória e chegou ao segundo turno, como segundo colocado em Porto Alegre e São Paulo, cidades que já governou. Perdeu em Florianópolis, Curitiba, Rio e, em certo sentido, Belo Horizonte, onde está dividido entre os que defenderam e os que se opuseram à aliança com o governador Aécio Neves.
Além dos fatores eminentemente locais, que costumam ser predominantes nas disputas municipais, a influência de Lula no auge de sua popularidade não se transformou necessariamente em vitórias petistas, ressalta Figueiredo.
“Em alguns lugares certamente ajudou, mas não houve uma avalanche de votos ‘lulistas’ se convertendo em votos ‘petistas’, como alguns imaginavam. Isso sugere que tal transferência não é automática e pode ser decrescente em eleições futuras”.
( Continua amanhã)

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