A crise financeira mundial, a mais grave desde a Grande Depressão deflagrada em 1929/30, já teve dias decisivos —, e deverá ter outros, até o sistema começar a se estabilizar, o crédito voltar a fluir e o setor real das economias nacionais passar novamente a operar sem sobressaltos.
Este fim de semana é um desses momentos-chave, quando o mundo estará atento a uma série de reuniões em Washington, das quais poderá sair uma mensagem de alívio para os mercados globais, ou a certeza de que se viverá mais uma dramática semana como a que se encerra hoje.
A expectativa é que, dos encontros marcados pelo presidente Bush e demais membros do G-7 (Inglaterra, França, Itália, Alemanha, Canadá e Japão), da reunião do G20, grupo — no momento presidido pelo Brasil — das 20 maiores economias, e do Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial saia um programa consistente de ação conjunta mundial contra a mais séria turbulência global em cerca de 80 anos. Ontem, nota do G-7 já indicou esta direção. Outro aspecto animador é que, desde que o secretário do Tesouro americano, Henry Paulson, apoiado pelo presidente do Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos, Ben Bernanke, formalizou em duas laudas e meia a proposta de uma linha de socorro a instituições financeiras de US$ 700 bilhões, avançou-se muito no entendimento da crise e na definição de instrumentos para combatê-la.
E se a Europa, ao sofrer os primeiros impactos do empoçamento da liquidez, agiu de forma atabalhoada, sem coordenação, foi nela que surgiu uma forma, tudo indica mais eficaz do que a solução Paulson, de se conter a tempestade. A proposta já era discutida entre economistas, mas coube a Gordon Brown, primeiro-ministro inglês, lançar o plano de o Tesouro britânico injetar recursos diretamente nos bancos, recebendo em troca ações das instituições financeiras.
Essa estatização temporária não apenas é uma garantia ao contribuinte de que ele poderá ter o dinheiro de volta, e com lucros — como aconteceu num resgate semelhante do sistema financeiro sueco na década de 90 —, como também envolve menos problemas operacionais do que o projeto Paulson.
Afinal, a que preço os papéis podres serão resgatados pelo Tesouro americano, se a proposta do secretário do Tesouro, aprovada pelo Congresso, vier a ser executada? A dificuldade de se dar uma resposta séria à pergunta e a boa repercussão do método Brown, logo seguido por outros países europeus, levaram os Estados Unidos a admitir adotar a mesma fórmula, além de garantir todos os depósitos e dívidas de bancos, um remédio com o poder de várias bombas nucleares.
Em boa hora, o Congresso, ao transformar as duas laudas e meia de Paulson num cartapácio de mais de 400 páginas, previu a troca do socorro por ações.
Outro ponto nevrálgico a ser discutido por todos em Washington é a importância de operações articuladas entre bancos centrais, como a realizada esta semana no corte dos juros. A articulação dos BCs, principalmente das economias mais desenvolvidas, tem sido fundamental para evitar uma quebradeira generalizada nos sistemas financeiros ao redor do mundo. Há muito tempo que já se fazia necessária uma ação mais articulada das autoridades monetárias, pois os mercados financeiros se globalizaram, e uma crise em Wall Street acaba tendo reflexos na Ásia ou na Europa, e viceversa.
Se por um lado essa globalização multiplicou a oferta de capitais em economias com escassez de investimentos, por outro a agilidade com que tais recursos se movimentam tornaram os preços dos ativos financeiros demasiadamente voláteis, criando algumas vezes a ilusão de riquezas que não chegam a ter contrapartida na economia real.
Esse descasamento gera bolhas financeiras que dificilmente se esvaziam de maneira controlada.
Quando as bolhas estouram, os mercados mergulham em crises agudas, causando distúrbios nos sistemas financeiros que inevitavelmente atingem a economia real. O conserto disso pode levar anos, até que as economias se recuperem e gerem uma riqueza efetiva, com avanços na capacidade de produção e na oferta de serviços úteis para a sociedade. Os gestores de recursos sempre foram muito exigentes na avaliação da economia real e atentos a seus próprios resultados, mas pouco se preocuparam em estabelecer limites de segurança para a alavancagem do setor financeiro — o quanto usam de recursos de terceiros nas operações em relação ao patrimônio próprio. Embora os mercados tenham se globalizado, os parâmetros de regulação não chegaram a se internacionalizar como deveriam, ainda que existam vários fóruns adequados para se discutir essa questão.
As iniciativas para salvamento dos sistemas financeiros têm sido acompanhadas de exigências que desmontarão parte considerável de operações que embutem elevados riscos, antes não mensuráveis. Dessa experiência traumática, esperase, devem resultar sistemas financeiros mais afinados com a economia real. O importante é que, como registrou o ex-presidente do Fed Paul Volcker em artigo no “Wall Street Journal”, as ferramentas para recolocar os mercados em funcionamento existem. É preciso determinação e liderança políticas para usá-las. Ao menos por mostrar sua verdadeira face, a crise convocou os governos a agir sem preconceitos.
Bem interpreta o editorial da última edição da “Economist”, revista inglesa que é uma trincheira do pensamento liberal no mundo: “O momento é de deixar dogmas e programas de lado e se concentrar em respostas pragmáticas.”
Entrevista:O Estado inteligente
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