Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, outubro 23, 2008

Favelas: que tem jeito, tem

LUIZ BEZERRA DO NASCIMENTO, IGNEZ BARRETO e PAULO RABELLO DE CASTRO

A maior falha no debate eleitoral para prefeito da nossa cidade, desde o primeiro turno, tem sido a ausência de alternativas práticas e viáveis ao desafio de levar “cidadania efetiva e duradoura” aos moradores de mais de 700 comunidades carentes — as favelas, enfim — do Rio de Janeiro.
Muito já foi tentado por várias administrações, como o Favela-Bairro, o CadaFamília-um-Lote e, agora, as obras do PAC, e tem trazido avanços. Só que a cidadania efetiva atende por outro nome: propriedade. E quando falamos de propriedade, não nos referimos a qualquer outra figura jurídica de segundo escalão como a concessão de direito real de uso, posse regularizada, comodato etc. Propriedade plena é o que, de fato, almeja a população, para dispor do que é seu, como quiser.
Salvo nos casos de invasões e ocupações de áreas de risco ou de preservação permanente, a concessão do título da propriedade deveria ser a promessa mais ouvida pelos eleitores em favelas e bairros em situação irregular.
No entanto, pouco se ouve falar, talvez pela dificuldade imaginada de se implementar um projeto de titulação geral.
A comunidade de N. S. de Fátima, do Morro do Cantagalo, uniu-se ao Projeto de Segurança de Ipanema e à Associação de Moradores do Bairro para enfrentar esse desafio. O Instituto Atlântico apoiou a iniciativa com conhecimentos específicos, além de recursos suficientes para cumprir as etapas da titulação exigidas pelo Estatuto das Cidades. Mediante assembléia geral da comunidade, aprovou-se o projeto de recenseamento da população residente e o mapeamento topográfico detalhado de cada construção. Em apenas quatro meses, a comunidade se mobilizou e aprontou toda a documentação exigida pela lei e agora se prepara para demandar seus direitos.
Em silêncio, democraticamente e em perfeita harmonia, os próprios moradores colaboraram em cada fase do projeto, oferecendo dados completos para a Associação. Estamos prontos para ingressar na fase final com, praticamente, 100% de adesão das famílias e negócios aí existentes.
A prefeitura e o prefeito eleito têm tudo a ver com esse esforço. Se a próxima administração endossar a iniciativa do Cantagalo, ela pode servir de padrão para outras 700 comunidades.
Basta querer. Mas, para fazer acontecer, é preciso saber como chegar lá e entender o alcance dessa revolução em marcha.
Havendo uma corrente de interesses novos, que afaste de vez as mesquinharias da política de favorecimentos, nada impede que o espírito do Cantagalo se implante nas demais comunidades para regularizar todo o Rio de Janeiro, no espaço da próxima administração.
É um sonho possível.
O povo do Cantagalo fez. Tudo a um custo assimilável no orçamento da maioria dos próprios moradores.
Dá para encarar. Não é milagre nem resolve as questões seguintes, de acesso, de esgotos, de controle de edificações, de serviços essenciais etc. Essas serão as etapas subseqüentes a serem percorridas por homens e mulheres, então já de posse da sua dignidade plena de cidadãos, com endereço fixo e regular, mesmo que modesto e com muito, ainda, por fazer.
Já demos o primeiro passo. E daremos os seguintes.

LUIZ BEZERRA DO NASCIMENTO é presidente da Associação de Moradores do Cantagalo.
IGNEZ BARRETO é coordenadora do Projeto de Segurança de Ipanema.
PAULO RABELLO DE CASTRO é economista e vice-presidente do Instituto Atlântico.

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