Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, outubro 22, 2008

10% de inspiração e 90% de transpiração JOAQUIM LEVY

Há certos desejos que são universais. Prova disso é a Declaração de Independência americana, a qual começa mencionando direitos “evidentes”, ou óbvios. Mas, os Estados Unidos não foram construídos sobre essa declaração do óbvio, apesar do seu caráter inspirador, e sim sobre sua Constituição — que só veio a ser redigida mais de uma década depois do manifesto inicial, e que estabeleceu uma estratégia definida para assegurar esses direitos.

O exemplo ilustra que certos anseios gerais sempre encontram eco, especialmente em época de eleição.

Mas a concretização desses anseios depende de grande habilidade, trabalho, persistência e continuidade.

No Rio de Janeiro, os exemplos dessa dicotomia são legião. Aliás, parte da decadência do Estado explicase por certos desejos legítimos terem virado desculpa para um comportamento de acomodação, atalhos e mesmo autonomia que muitas vezes traduzia apenas falta de compromisso com mudanças trabalhosas.

Esse caminho levou à falta de clareza sobre o papel das principais funções do Estado, incluindo segurança, saúde e educação.

Na segurança, alternaram-se períodos de pânico, das classes médias, com conformismo e abandono. Nada é mais eloqüente no filme “Tropa de elite” — passado nos idos do governo Marcello Alencar! — do que o sentimento de que a missão da polícia era obscura, e que não havia controle efetivo. O próprio capitão Nascimento demonstra isso, ao conseguir nomear um substituto despreparado, mas que resolvia seu objetivo pessoal de deixar a tropa.

Considero que a confusão de missões e papéis na função pública mudou bastante no último ano e meio.

Na segurança, a posição firme e equilibrada do governador permitiu que os melhores profissionais do Brasil mudassem a dinâmica do combate ao crime. O tráfico vem sendo debilitado — através da apreensão de armas, trabalho de inteligência e valorização da polícia. A população vem sendo protegida, também com o fim da acomodação com a milícia. As esferas do público e privado começam a se distinguir — o que é o primeiro passo para um estado moderno. O investimento no policial e no equipamento é uma realidade. Há reveses, mas o rumo está dado.

Essas mudanças estão no coração da estratégia econômica e fiscal do Estado. A segurança é um direito de todos — ricos e pobres. Melhorar a segurança física e econômica das pessoas e empresas no Rio é a verdadeira estratégia de atração de investimentos.

Assim como reconhecer que só há um Rio — por mais diverso que ele seja, e que as estratégias têm de se basear nesse valor.

A eliminação da interferência política na área de segurança e da política fiscal é crescentemente percebida pelos agentes econômicos e já traz resultados.

Começamos a ter condição para darmos uma virada econômica e de desenvolvimento segura, com aumento do emprego.

É claro que nada disso é fácil: em muitos casos envolve enfrentar interesses organizados e pode ser explorado contra a ação do governo. Ninguém tem o monopólio do acerto, mas a política salarial, de despesa, e fiscal do governo estadual, por exem plo, mostrou-se correta, inclusive neste momento de turbulência global.

Continuidade e apoio para esse e outros aspectos da estratégia do governo estadual me parecem muito importantes para garantir seu sucesso duradouro.

A falta de continuidade e a fragmentação são alguns dos fatores que mais dificultam mudanças profundas.

A fragmentação política, em particular, tende a minar o impulso e enfraquecer a capacidade de alianças de um governo. Onde há várias correntes em nível local, as forças nacionais, ao invés de verem um bloco que precisa ser levado em consideração no momento das grandes decisões, vêem um conjunto de forças fáceis de manipular e que podem ser atendidas com pouco custo. Em uma federação, esse é um risco muito alto para um estado, principalmente quando não se é o maior e que se depende de políticas nacionais do Executivo e do Legislativo para assuntos que vão do petróleo aos portos, aeexemroportos e investimentos em infraestrutura.

No Rio, isto também mudou recentemente com a articulação de uma estratégia definida pelo atual governo estadual, mas precisa ser consolidado.

Em suma, as perspectivas para o Rio de Janeiro são muito positivas.

O que por décadas foram slogans, marchas, ou motivo de perplexidade, vem se tornando realidade, ou encontrando formas de expressão coerente e que levam a soluções efetivas, em um ambiente de diálogo e democracia. Sempre é agradável ver anseios gerais serem expressos de forma elegante e até divertida, mas, como o governador Sérgio Cabral disse na sua posse, progresso em geral é resultado de 10% de inspiração e 90% de transpiração. E a grande vantagem da democracia é que há formas claras e diretas de expressar apoio a políticas do governo.

Por isso, continuamos no Rio de mangas arregaçadas.

A confusão de missões e papéis na função pública mudou bastante

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