Entrevista:O Estado inteligente

domingo, agosto 10, 2008

A nova estatal do petróleo: paixão pelo Estado Mailson da Nóbrega

A crença na capacidade do Estado de resolver todos os problemas tem raízes profundas na sociedade brasileira. A maioria ainda se guia por um conjunto de hábitos, idéias, suposições e padrões institucionais típicos da cultura ibérica nutrida em séculos de centralismo.

Não é assim nos países anglo-saxônicos, nos quais se praticam outros valores, que atribuem papel mais relevante ao setor privado. Ao Estado cabe prover as instituições que alinham incentivos para que os indivíduos busquem o progresso. São fundamentais a estabilidade de regras, a previsibilidade, a concorrência, a preservação dos direitos de propriedade e o respeito aos contratos.

Por isso, a Inglaterra e suas colônias no Novo Mundo chegaram mais cedo ao capitalismo contemporâneo e enriqueceram. Espanha e Portugal declinaram do apogeu das grandes descobertas e entraram no século 20 como nações pobres. Suas colônias nas Américas ficaram para trás em relação aos EUA.

Na América Latina, o Estado liderou o desenvolvimento, particularmente a partir do pós-guerra. Outros países também recorreram à ação estatal para atingir a industrialização, como Alemanha, França e Bélgica no século 19 e Coréia do Sul, Cingapura e outros países asiáticos a partir dos anos 1950.

Na Europa e na Ásia, o ativismo estatal desapareceu ou diminuiu muito quando o desenvolvimento decolou e o setor privado se mostrou capaz de assumir a liderança. Isso aconteceu até na França, onde ainda é forte a cultura estatista: todos os bancos do governo foram privatizados.

Acontece que na América Latina o Estado desenvolvimentista conviveu com uma cultura avessa ao lucro e à iniciativa privada. Pesquisas mostram que a maioria dos brasileiros apóia o controle estatal nos bancos, no petróleo, na energia elétrica e em outras áreas.

Por isso, o Estado se manteve forte na atividade econômica latino-americana. Houve privatizações nos anos 1980 e 1990, mas a idéia ainda é muito mal vista. No Brasil, apesar das evidências em contrário, ainda há quem ache que a Cia. Vale do Rio Doce, a Embraer e outras empresas não deveriam ter sido privatizadas.

Na Argentina, na Venezuela e na Bolívia, empresas estatais voltaram a ser criadas. O gás boliviano foi reestatizado. Ações semelhantes continuam a ocorrer na Venezuela, como no caso recente da estatização da filial de um banco espanhol.

É nesse contexto que se deve ver a idéia do ministro de Minas e Energia de criar uma empresa 100% estatal para explorar as reservas do Pré-Sal. Pensando em fazer o melhor para o país, s.exa. se move por esse tipo de padrão mental.

Pouco importa, ao que parece, que as novas jazidas tenham sido descobertas pela combinação vitoriosa do trabalho da Petrobrás com a das empresas estrangeiras, que foram atraídas pelo fim do monopólio estatal da exploração de petróleo (Lei 9.478, de 1997).

O modelo adotado na abertura da exploração de petróleo foi sem dúvida um êxito. Em vez de comemorá-lo e de fortalecê-lo, agora que a exploração do Pré-Sal exigirá vultosos investimentos e avançada tecnologia, o ministro e outros membros do governo querem modificá-lo. Além da criação da estatal, as normas seriam mudadas para adoção do modelo de partilha.

Em vez da estabilidade das regras, o governo prega a ruptura, de modo a reservar ao Estado - e apenas para ele - os resultados da exploração das novas jazidas. A idéia, devemos reconhecer, soa esperta para quem vê com desconfiança a atividade empresarial privada. Mas não é.

Na verdade, essas ações podem gerar insegurança em quem investiu acreditando na seriedade do novo modelo e nos criar problemas no futuro. Prejudicarão os que adquiriram ações da Petrobrás, inclusive os trabalhadores que usaram seu FGTS para comprar os papéis da empresa estimulados pelo governo. Rezemos para que o bom senso prevaleça e a nova estatal morra no nascedouro.

As novas gerações provavelmente se livrarão do cacoete estatista. Afinal, isso aconteceu na Espanha e em Portugal destes últimos anos. As pesquisas também mostram que a educação altera o modo como a sociedade brasileira vê o Estado, mas enquanto a mudança não vem continuaremos a ver a resistência à privatização e o apoio a propostas como a do ministro. A paixão pelo Estado, como se vê, não é privilégio da esquerda.

*Mailson da Nóbrega é ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria Integrada (e-mail: mnobrega@tendencias.com.br)

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