Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, agosto 21, 2008

Augusto Nunes A jabuticaba, a anta, o Incra e o Ibama

CELSO AMORIM DECLAMOU NA HORA
errada e no lugar errado a tese popularizada por Joseph Goebbels, o marqueteiro-chefe da Alemanha nazista. Mas o chanceler trapalhão desta vez acertou: uma mentira repetida insistentemente acaba virando verdade. Todo dia alguém afirma, por exemplo, que a única coisa que só dá no Brasil é a jabuticaba. É só uma bobagem. Mas meio mundo reage como quem ouve uma verdade científica incontestável. Aplicada apenas ao universo dos pomares e das quitandas, a teoria da jabuticaba pode ser implodida por uma uvaia, ou um araçá, ou o mais humilde chico-magro. Mas não foi por acaso, e sim para conferir-lhe a merecida abrangência, que o pai da mentira usou "coisa" em vez de "fruta". Como coisa é tudo, a teoria exibe tamanha profundidade que a formiga das crônicas de Nelson Rodrigues poderia atravessá-la com água pelas canelas. A jabuticaba não passa de mais uma entre as incontáveis singularidades nacionais. A mais relevante informa que uma das coisas que só dão no Brasil é brasileiro. Dos quase 200 milhões de exemplares legítimos, nenhum nasceu fora daqui. Essa multidão de extravagâncias elege com freqüência governos igualmente singulares, que criam ou engordam exotismos também sem similares. A anta, a capivara e o tamanduá-bandeira, por exemplo. Ou o Ibama e o Incra. O Ibama hoje incorpora tantas atribuições que as iniciais do nome oficial ­ Instituto Brasileiro de Meio Ambiente, dos Recursos Naturais Renováveis e da Amazônia Legal ­ já nem cabem na sigla. As primeiras letras do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária cabem no Incra, mas a sigla é maior e mais musculosa que o Ministério do Desenvolvimento Agrário, ao qual deveria subordinar-se. Em tese, os ministérios estão acima das siglas. Mas o Incra e o Ibama são mais antigos, e seus chefes tratam os ministros com o descaso do filho obrigado a conviver com um pai que nasceu depois. As siglas fazem o que querem ­ ou o que interessa aos micropartidos e sopas de letras que as controlam por decisão do governo federal. No ano passado, o Incra foi paralisado por uma greve que começou em 21 de maio e só terminou em 3 de agosto, depois de atendidas as exigências dos rebelados. Durou 75 dias a guerra unilateral movida pelos empregados do Incra contra o governo a que devem o emprego. O Planalto fez que não era com ele. Continuou inerme mesmo quando militante do MST passaram a hospedar-se nos prédios do Incra, para recuperar-se das canseiras das invasões de fazendas alheias. Tampouco pareceu surpreso ao constatar que a companheirada do Ibama decidira aderir à greve, "em solidariedade aos companheiros do Incra". Nesta segunda-feira, uma reportagem publicada pelo Jornal do
Brasil
comprovou que a bonita demonstração de amizade não amoleceu o coração beligerante do Incra: foi ampliada dramaticamente, sabe agora o Brasil, a ofensiva planejada para amputar do mapa de territórios supostamente administrados pelo Ibama. O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, informou que, em 2007, a Amazônia perdeu quase 600 mil hectares de floresta, e divulgou a lista dos 25 campeões do desmatamento. O Incra lidera o ranking da abjeção. Só em Mato Grosso, o Incra devastou 151 mil hectares em "áreas de especial preservação". A mutilação da selva resultou em multas que somam R$ 176 milhões. Os comandantes da sigla argumentam que é preciso abrir espaço para os assentamentos do MST e seus filhotes. E avisam que não pretendem pagar o que o Ibama está cobrando. Se ainda fosse o superintendente do Ibama em Rondônia, o petista de carteirinha Oswaldo Luiz Pittaluga, a exemplo do que fez na greve de 2007, estaria engajado nas tropas do Incra. No emprego desde o primeiro dia da Era Lula, Pittaluga manteve-se no gabinete mesmo depois de presentear movimentos sociais e guarnições da PM com toneladas de madeira apreendida. Foi demitido, há semanas, porque até o Planalto achou demais a entrega a um certo Movimento Camponês Corumbiara, que vem ampliando criminosamente um assentamento na floresta, de 36 motosserras, duas serrarias e geradores. Além da jabuticaba, coisas bem mais espantosas só dão no Brasil.

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