O Brasil não se enquadra na categoria de países que justifiquem a criação de um fundo dessa espécie |
O GOVERNO acaba de anunciar a intenção de criar um Fundo Soberano Brasil (FSB). As receitas viriam do excesso de arrecadação, acima da meta do superávit primário de 3,8% do PIB, que constituiriam o Fundo Fiscal de Investimento e Estabilização, e da emissão de Títulos de Dívida do Tesouro. Esses recursos poderiam ser aplicados na compra de ações, debêntures e outros títulos de dívida de empresas públicas brasileiras no exterior. O FSB anunciado é uma fusão de dois tipos distintos de fundos: de investimento e de estabilização cambial.
O fundo de investimento soberano surgiu nos países que apresentavam, simultaneamente, superávit em transações correntes e superávit fiscal, como os países exportadores de petróleo, onde a absorção doméstica de bens -consumo mais investimento- é menor do que a renda nacional. Entre esses países estão os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita e são similares os casos da China, Rússia e Chile. Parte do superávit em transações correntes, excesso de poupança doméstica, em regra também fiscal, não é internalizada e é investida no exterior para gerar um retorno e constitui-se numa acumulação de ativos que o país pode utilizar em situações de crise.
Assim, o Brasil não se enquadra na categoria de países que justifiquem a criação de um fundo dessa espécie. Nos últimos 12 meses, o déficit em transações correntes foi de US$ 9,5 bilhões, e o governo também não tem superávit fiscal; ao contrário, vem tendo déficit nominal acima de 2% do PIB -o governo brasileiro gasta mais do que arrecada, ampliando seu endividamento.
Todos os países dotados de instrumentos adequados para estabilizar ou evitar a oscilação excessiva da taxa de câmbio têm, além das reservas cambiais, administradas pelo Banco Central, um Fundo de Estabilização Cambial, legalmente autorizado e comandado pelo Tesouro, a exemplo dos Estados Unidos e do Japão.
Esses fundos existem porque nem sempre os objetivos do Banco Central e do Tesouro coincidem. No Brasil, poderá vir a ser um instrumento importante para trazer a taxa de câmbio de volta ao nível de equilíbrio e estabilizá-la, prevenindo contra a crise cambial futura, já pré-anunciada pela atual trajetória explosiva do déficit em transações correntes. Ao usar tanto a receita oriunda de arrecadação como a da emissão de títulos, o Tesouro aumenta seu caixa, que poderá ser utilizado para comprar dólares e, com isso, evitar a apreciação indesejada do real. Se os dólares comprados pelo Tesouro forem investidos no exterior, e não internalizados, a política será neutra do ponto de vista monetário, contracionista do ponto de vista fiscal e um instrumento para controlar a taxa de câmbio.
A experiência mostra que, na intervenção no mercado de câmbio, não é o volume de recursos do fundo, mas a capacidade de sinalizar ao mercado e de evitar a formação de expectativas desestabilizadoras que terá eficácia.
Quando o governo mostrar firme disposição de que não tolerará a apreciação excessiva da taxa de câmbio, o mercado dificilmente apostará contra. No caso de uma expectativa de depreciação, a conversa é outra -e não é o nosso caso.