clicar aqui
O intelectual Jorge Castañeda, um esquerdista light, teve o mérito de ajudar a eleger Vicente Fox no México, o que pôs fim a sete décadas de poder absoluto do PRI, uma supermáquina de corrupção e fraude eleitoral como nunca se viu. Há uma entrevista sua na Folha de hoje. Leiam trechos. Volto depois. Por Sylvia Colombo:
Em maio de 2006, o economista e historiador mexicano Jorge Castañeda, 54, causou uma controvérsia internacional ao declarar, num artigo para a "Foreign Affairs" ("Latin America's Left Turn"), que a esquerda na América Latina estava dividida em duas. Uma, que considerava "má", era representada pelo autoritarismo e por uma visão passadista do socialismo. Nela se enquadravam Venezuela, Equador e Argentina. A outra, tida como "boa", identificava-se com a democracia e tinha uma posição moderna com relação ao funcionamento das instituições e às preocupações sociais. Aí estariam o Brasil de Lula e o Chile de Michelle Bachelet. Hoje, olhando para essa análise, Castañeda se considera um visionário. "Tudo o que eu dizia se confirmou. O continente continua dividido e polarizado exatamente desse modo." Castañeda é autor de uma biografia de Che Guevara ("A Vida em Vermelho") e de uma análise da esquerda na América Latina ("A Utopia Desarmada"). Esquerdista no princípio da carreira, foi adotando uma posição mais à direita com o tempo, chegando a ser chanceler do governo Vicente Fox. Também foi candidato a presidente em 2004, mas hoje diz que não pensa mais em disputar o cargo. Leia, abaixo, trechos da entrevista que Castañeda deu à Folha, por telefone.
FOLHA - O que achou do modo como se deu a soltura das reféns colombianas pelas Farc? JORGE CASTAÑEDA - A liberação mostra duas coisas: primeiro, que Chávez, sozinho ou com aliados, tem ascendência real sobre as Farc. Pôde convencê-las a reparar o dano causado pelo fiasco do episódio com o menino Emmanuel. Em segundo lugar, que a opinião pública venezuelana e internacional já não engole tão facilmente esse tipo de manobra. A pergunta não é como Chávez marcou o gol, mas quem lhe deu o passe.
(...)
FOLHA - Em artigo em 2006, o sr. dividiu a esquerda latino-americana em duas categorias, uma "boa" e outra "má". Algo mudou?
CASTAÑEDA - Não, pelo contrário. Esse retrato apenas se confirmou. Chávez tem radicalizado seu discurso, e leva com ele países como Bolívia e Equador. É um clássico caudilho. Um Péron com petróleo. Porém, foi muito importante o fato de ele ter perdido o referendo [em 2 de dezembro, o venezuelano não conseguiu aprovar uma reforma constitucional que aumentaria seus poderes e aprovaria sua reeleição indefinida]. O racha dos chavistas nos faz pensar se seria possível um chavismo sem Chávez. Quanto aos outros, eles têm se sentido à vontade para reafirmar seu discurso populista, autoritário e antiquado.
(...)
FOLHA - O presidente [mexicano] Felipe Calderón se aproximou da esquerda. O sr. acha isso positivo?
CASTAÑEDA - O acercamento de Calderón aos esquerdistas é pura retórica para que fique bem diplomaticamente com os governos de esquerda do resto do continente. Internamente, porém, ele não tem tomado medidas de esquerda. Mas creio que seu governo tem qualidades, ao dar continuidade aos de Ernesto Zedillo e Fox. Assim como no Brasil, o elogio a Calderón é o de ter mantido uma linha coerente em relação aos que o precederam.
Voltei
Castañeda, hoje um “progressista moderado”, comete o mesmo erro de um conservador como Álvaro Vargas Llosa, para quem, também, há duas esquerdas: a “carnívora” — aquela liderada por Chávez — e a “vegetariana”, à qual pertenceria Lula. Data vênia, isso não passa de besteira. Até porque a esquerda lulista, se for o caso, deve ser chamada de “herbívora”. E do tipo ruminante.
A diferença não é ideológica ou de essência. A diferença está na história. Explico-me. Os “carnívoros” de Llosa — ou “esquerda má”, na definição de Castañeda — chegaram ao poder à esteira de severas crises institucionais em seus respectivos países. A “esquerda boa” (dita “vegetariana”) assumiu o poder num quadro de estabilidade institucional. Foi assim com Bachelet, no Chile, e com Lula no Brasil.
Para ficar no exemplo doméstico, note-se que Lula não é Chávez porque não pode, não porque não queira. Quem o impede são as instituições fortalecidas, que herdou de FHC e que não conseguiu, embora tenha tentado, enfraquecer. Basta lembrar quantas vezes essa gente tentou botar canga na imprensa. Observe-se, também, que Lula tem sido, sim, um aliado incondicional — INCONDICIONAL, repito — de Hugo Chávez e Evo Morales. No ambiente internacional, a agenda brasileira é, sem tirar nem pôr, a da esquerda.
O que estou dizendo é que essas diferenças a que aludem tanto Castañeda como Llosa são absolutamente irrelevantes. Lula leva o desprestígio das instituições, no Brasil, até onde é possível levar. Se mais não faz, é porque mais não pode.