Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, janeiro 11, 2008

A sarna das crises acumuladas

A sarna das crises acumuladas

Artigo - Villas-Bôas Corrêa
Jornal do Brasil
11/1/2008

Onde quer que o presidente Lula se isole para descansar o corpo, esfriar a cabeça e rever o esquema para enfrentar os muitos desafios acumulados pela tática de empurrar para amanhã o que pode esperar, salta à evidência que a sarna das crises não pode esperar e reclama soluções urgentes.

Alguns indícios de sensatez regam as suas últimas decisões oficiais, certamente arrancadas do fundo da alma: para o recordista de viagens internacionais, além dos giros domésticos, o cancelamento do comparecimento ao Fórum Econômico Mundial, realizado em Davos, na Suíça, entra na lista dos sacrifícios impostos pela barafunda política instalada desde a derrota imposta pelo Senado, com a derrubada da emenda constitucional que prorrogava a arrecadação da CPMF, ou imposto do cheque, até 2011.

O corte inesperado da previsão dos R$ 40 bilhões anuais detonou o efeito cascata de pequenos, médios e grandes desafios, que reclamam tamponamento a curto prazo. E os seus complicadores acossam o governo para a negociação de saídas emergenciais com os embaraços do ano eleitoral e na base municipal, para prefeitos e vereadores.

É como tacada em partida de sinuca, com as bolas ricocheteando nas tabelas: o frágil estado de saúde do vice-presidente José Alencar impôs ao presidente a cautela de permanecer no país. Mas o mineiro é um obsessivo das suas convicções econômicas e renovou a advertência em frase redonda: "Tudo isso que se faz são remendos. Um dos fatores importantes de estabilidade monetária é o equilíbrio orçamentário".

Ora, tudo isso que se faz ou não se faz é exatamente a recaída da crise que se desdobra em etapas e vem de longe, desde o primeiro ano do segundo mandato com os megaescândalos do mensalão e do caixa 2 e o repeteco em nova edição com o ruidoso episódio novelesco do relacionamento extraconjugal do então presidente do Senado, Renan Calheiros, com a repórter Mônica Veloso.

Com o a traso de semanas, o presidente convocou a primeira reunião ministerial do ano para o próximo dia 21. Até lá, com a morosidade das articulações com a sua base e com a oposição, acertos preliminares precisam ser fechados para desobstruir a picada no meio do cipoal.

"Cortar na veia", como ameaça o presidente, é condenar o enfermo à anemia. Até porque a sangria da receita radical é de R$ 20 bilhões no Orçamento deste ano. Metade do prejuízo com o fim do provisório imposto do cheque, na derrota política em que o time oficial teve um desempenho calamitoso. Todos são a favor de cortes na carne dos outros. E, bem analisadas as razões de cada um, todas têm o seu fundo de seriedade. Todas ou quase todas.

E quem tem voz poderosa e por tanto tempo calada, sopra o trombone. O último a empunhá-lo foi o ministro da Defesa, Nelson Jobim, que apresentou as suas reivindicações ao ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. Traça um quadro constrangedor: o maior salário nas Forças Armadas é de R$ 8 mil e o menor, R$ 207, muito abaixo do salário mínimo.

Ocorre que o governo anunciou a suspensão dos entendimentos para o reajuste dos funcionários públicos: o Barnabé nunca tem vez ou é o último da fila. Não se estranhe a inevitável reação do desespero e da fome, com greves e manifestações de rua.

Por onde começar a arrumação de tal mixórdia? Claro que pelo Congresso, com o atendimento na medida do possível e do impossível das exigências dos senadores e deputados. Os ministros José Múcio, das Relações Institucionais; Luiz Dulce, da Secretaria Geral; e Paulo Bernardo, do Planejamento, improvisados em bombeiros, apressam nomeações encalhadas e o acerto para reduzir o corte das emendas parlamentares.

Não é um bom começo de ano para o presidente na arrancada para o retumbante fecho de dois mandatos.

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