Sem investimentos, a decisão sobre
o racionamento fica por conta da natureza
Cíntia Borsato
Duke/Salão Internacional de Humor Ecológico de Campos/RJ |
Em 2000, o Brasil comemorou um ano de forte crescimento econômico. O país, que havia sofrido no ano anterior uma severa crise desencadeada pela desvalorização do real, registrou um avanço de 4,4% no PIB, a melhor taxa obtida pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Sobrava otimismo entre os economistas e empresários. Imaginava-se que a economia, finalmente, iria ingressar num ciclo duradouro de expansão. Mas, em poucos meses, viria o baque. O aumento na oferta de energia elétrica não acompanhou o avanço do consumo. Para piorar, as chuvas minguaram no verão de 2001. O governo não teve alternativas a não ser decretar o racionamento, que obrigou as empresas a pisar no freio e abreviou a chegada do ciclo de estagnação econômica. Nos últimos sete anos, o país pouco se mexeu para evitar que tal situação se repetisse e agora convive de novo com o mesmo risco. Mais uma vez estamos nas mãos da natureza e de sua generosidade pluvial.
Na semana passada, ficou escancarada a tibieza que move o planejamento no setor energético no Brasil. O diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Jerson Kelman, afirmou que "não é impossível" que o país viva um apagão ainda neste ano e recomendou que sejam adotadas medidas de "racionalização" do consumo quanto antes. De acordo com Kelman, seria prudente fazer uma campanha educativa para estimular a economia de energia, ao mesmo tempo em que se delineiem medidas emergenciais para serem implementadas caso falte luz. Mais uma vez, a culpa recai sobre a falta de chuvas. De fato, choveu pouco, até aqui, neste verão, e os reservatórios das hidrelétricas estão em níveis muito baixos (veja o quadro na pág. ao lado). Mas a desculpa não cola. Tivesse o governo estimulado os investimentos necessários, seja em novas hidrelétricas, seja em fontes alternativas, o país não teria de se equilibrar na corda bamba energética.
O que agrava as perspectivas é a falta de gás natural. A principal medida do governo anterior para diversificar as fontes de energia e não manter o país ao sabor do regime de chuvas foi um plano de estímulo à construção de usinas térmicas movidas a gás. Funcionou. Mas o consumo de gás cresceu rapidamente nos últimos anos, como combustível de carros e também na indústria, e hoje a oferta é insuficiente. Existem vinte usinas térmicas movidas a gás. Dessas, apenas catorze estão em operação. As outras seis encontram-se paradas por falta do combustível. Afirma a diretora executiva da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), Patrícia Arce: "Temos um parque instalado de térmicas a gás de 7.652 MW, mas apenas 2 800 MW médios estão em operação. Além de faltar água, falta gás". Seria energia suficiente para reduzir substancialmente os riscos de um apagão. A Petrobras priorizou investimentos na área de petróleo e deixou de lado o setor de gás natural. Hoje não consegue atender às necessidades do país.
Essas debilidades que vêm à tona neste momento haviam sido mascaradas pelas chuvas generosas dos anos anteriores e também pelo crescimento tímido da economia. Agora que o PIB avança mais rapidamente, o Brasil esbarra em seus limites. Um estudo realizado pela Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib) indica que seria necessário investir, no mínimo, 16,6 bilhões de reais ao ano no setor energético. Não é o que vem ocorrendo. Recursos há. Bastaria o governo destravar as amarras que inibem o investimento privado. O principal obstáculo tem sido a obtenção de licenças ambientais, um processo moroso e incerto, que eleva os custos dos projetos e retarda as obras.
Houve, ao menos, um importante avanço desde a crise de 2001. Ele se refere à expansão na rede de linhas de transmissão. Hoje quase todas as regiões do país são interligadas pelo Sistema Integrado Nacional (SIN). Se faltar energia na Região Nordeste, ela pode ser abastecida pela Região Sudeste, por exemplo. É o que vem ocorrendo. Há sete anos, sobrava energia no Sul, mas, por falta de linhas de transmissão, ela não podia ser redirecionada para as demais regiões. Graças à integração, hoje o país pode ganhar tempo e evitar, por ora, um novo apagão. Se as chuvas não aumentarem até o fim do verão, no entanto, o quadro ficará crítico, sobretudo para 2009. Diz o especialista Mario Veiga, presidente da PSR Consultoria: "Os reservatórios estão baixos, mas isso ainda não se configura um risco elevado de racionamento. Se não chover mais neste ano, a situação ficará preocupante para 2009".
Haja ou não racionamento, resta uma certeza desde já: a luz vai ficar mais cara. Como a energia térmica custa mais do que a hídrica, o preço será repassado para a conta nos próximos reajustes. O presidente Lula, durante reunião de emergência com ministros e responsáveis pelo setor de energia, disse que o país "não pode ficar dependendo de chuvas". Sábias palavras. Que sua equipe anote o recado.