Entrevista:O Estado inteligente

sábado, janeiro 12, 2008

O tráfico comanda a batucada na Mangueira

Droga no samba

Operação policial revela o impressionante
domínio do tráfico na favela da Mangueira


Ronaldo Soares

Bruno Gonzalez/AGIF/AFP
Fortaleza erguida por bandidos na Mangueira: defesa contra policiais e grupos invasores

"Mnha Mangueira, esta sala de recepção / Aqui se abraça inimigo como se fosse irmão." Assim o genial Cartola exaltou, em Sala de Recepção, o clima de cordialidade na favela que abriga a escola de samba carioca mais conhecida fora do Rio de Janeiro. Hoje, a realidade da Mangueira, na Zona Norte do Rio, é bem diferente. Lá vivem 14 000 pessoas subjugadas por traficantes. Inimigo dos bandidos é executado e tem o corpo incinerado em uma espécie de crematório clandestino, conhecido como "forno microondas". Em uma operação na semana passada, policiais encontraram ossadas humanas e um muro, semelhante a uma fortaleza, usado pelos bandidos para se proteger de ataques de grupos rivais e de incursões policiais. A descoberta foi casual. O objetivo da operação era prender a quadrilha de traficantes que manda na favela.

Acabou-se por escancarar uma situação há muito conhecida: o domínio do tráfico sobre a escola de samba. É um crime de muitas vítimas. O crime cultural é imperdoável. A Mangueira é uma instituição brasileira que produziu Nelson Cavaquinho ("Tire seu sorriso do caminho / que eu quero passar com a minha dor", com Guilherme de Brito), Carlos Cachaça ("Parece que os males todos desse mundo / Foram feitos só pra mim"), Xangô da Mangueira e Nelson Sargento ("Nosso amor é tão bonito / ela finge que me ama / eu finjo que acredito"), além do grande Cartola ("Alvorada lá no morro, que beleza / ninguém chora, não há tristeza / ninguém sente dissabor", com Carlos Cachaça e Hermínio Bello de Carvalho).

Andrea Farias/Ag. O Dia
Tuchinha: autor de samba e procurado pela polícia por tráfico de drogas


O principal alvo dos policiais era Francisco Paulo Tes–tas Monteiro, o "Tuchinha", que vem a ser um dos autores do samba que a Mangueira defenderá no Carnaval. A polícia descobriu que o traficante vinha utilizando a escola de samba como uma extensão de seus negócios. Chegava a marcar encontros na quadra para acertar a venda de drogas. O local, aliás, virou território livre da bandidagem. Não é difícil encontrar traficantes armados circulando nos ensaios da Mangueira, os mais badalados entre as escolas cariocas, por reunir artistas, políticos e turistas. A quadra é a predileta dos moradores da Zona Sul do Rio, região de maior poder aquisitivo. Em suma, é a escola preferida dos bacanas e também dos patrocinadores de projetos sociais. Não por acaso, a Mangueira foi a favela escolhida para recepcionar Bill Clinton, em visita presidencial ao Brasil em 1997. "Por ter influência em vários meios, do artístico ao político, a Mangueira adquiriu uma espécie de blindagem. É muito complicado para a polícia mexer ali, e isso dá maior tranqüilidade para o tráfico atuar", disse a VEJA o delegado Márcio Caldas, que investiga o bando de Tuchinha. Os ensaios vinham servindo como chamariz para o comércio de drogas. Do total arrecadado semanalmente pelo tráfico – cerca de 1 milhão de reais –, mais de 60% correspondem ao movimento dos fins de semana, quando ocorrem os ensaios. A operação da semana passada mostra que a polícia pode estar, finalmente, disposta a romper um círculo vicioso que usou o que a cultura carioca produziu de melhor para esconder o que a sociedade tem de pior.



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