Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, janeiro 14, 2008

O risco de racionamento

O Estado de S. Paulo EDITORIAL


Quanto mais procura desmentir as afirmações do diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Jerson Kelman, de que "não é impossível" um racionamento de eletricidade ainda neste ano, mais o governo exibe sinais de que sabe que a possibilidade é real. O próprio presidente agora adverte seus ministros de que "não me venham com cortes de luz". Por que faria essa advertência se acreditasse no seu ministro Nelson Hubner, que garante que não haverá racionamento nem em 2008 nem em 2009? Ou nas declarações da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que em encontro com Lula, quinta-feira, proclamou que a interligação do sistema elétrico e a malha de termoelétricas evitarão que se repita o racionamento de 2001 e que é possível antever problemas com margem de segurança necessária para tomar providências? Era possível, realmente, mas antes que os problemas se configurassem.

A economista Elena Landau tem uma explicação para o que aconteceu: "No novo modelo, o racionamento virou questão política. O governo acreditou que, com os leilões, nunca mais haveria racionamento. Mas esqueceram-se que o capital privado não investiria na ampliação da oferta de energia se houvesse riscos", disse ela à AE Broadcast Ao Vivo.

São muitos os estudos e os fatos que há tempos vêm prenunciando um colapso no fornecimento de energia. O Instituto Acende, baseado em análises do consultor Mário Veiga, advertiu, em 2007, sobre a ameaça de uma crise energética a partir de 2010. Especialistas como Adriano Pires criticaram reiteradamente a condução da política de estímulo à geração de energia pelo MME, então chefiado por Dilma Rousseff. Em resposta, autoridades como o presidente da Empresa de Pesquisa Energética, Maurício Tolmasquim, defendiam o modelo elétrico do governo Lula e negavam a ameaça de apagão.

Por diversas razões, entre as quais os óbices criados pelos ambientalistas instalados no Ibama, há dezenas de projetos de usinas elétricas paralisados. Previstas para entrar em operação no quadriênio 2008/2011, as usinas projetadas que têm restrições teriam capacidade de gerar quase 3,8 mil MW, mais do que a totalidade da energia nova que ingressou no sistema em 2007 (3,2 mil MW). Além disso, foi preciso a intervenção do presidente Lula para que saísse o licenciamento prévio e o leilão de concessão da Usina de Santo Antônio, no Madeira, com capacidade de 3,15 mil MW.

Nos últimos dias, o risco de um colapso aumentou muito com o declínio acentuado do nível dos reservatórios das usinas hidrelétricas e o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) determinou a entrada em operação das termoelétricas para economizar água nas represas. Mas poucas termoelétricas podem funcionar, pois a Petrobrás não entrega o gás natural que se comprometeu a fornecer. Elas poderiam produzir um total de 12 mil MW, mas só estão gerando 4,5 mil MW.

Em conseqüência do risco de escassez, os preços da energia elétrica negociados no mercado livre dispararam, ameaçando as empresas que dela dependem. Os preços chegaram a R$ 569,59 o MWh para esta semana, mais do que o dobro dos R$ 247,01 o MWh negociados há duas semanas. E chegou a R$ 800,00 o MWh cobrado das indústrias no horário de pico, entre 18 e 21 horas. Às vésperas do racionamento de 2001, o MWh foi negociado no mercado livre a R$ 460,00.

Algumas medidas emergenciais foram tomadas, agora, como o aumento da transmissão, para o Sudeste, onde é maior o consumo, da energia gerada no Sul, única região onde o índice pluviométrico foi favorável.

Como isto não basta, Kelman defende a deflagração de uma campanha de racionalização do consumo e um plano de contingência para um eventual racionamento.

Enquanto choveu o que era preciso chover, o governo evitou que se discutisse sua errática política de geração de energia. Mas esse quadro mudou em fins de 2007, quando a escassez de chuvas expôs os riscos de falta de energia justamente no momento em que a economia adquiria maior impulso, crescendo no ritmo de 5% ao ano.

Não resta ao governo Lula senão fazer, agora, o que nunca quis fazer: convocar o setor privado para uma discussão franca sobre a melhor maneira de economizar energia desde já, e se preparar para um racionamento, só evitável com a ajuda urgente de São Pedro.

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