PANORAMA ECONÔMICO |
O Globo |
10/1/2008 |
A reportagem da CNN já abriu mostrando que estava indo para a África profunda. Cenas de conflitos de Nairóbi seguidas da imagem da estrada de terra para o interior do Quênia até chegar à casa de "Mama Sarah", avó de Barack Obama. A repórter avisa que ela fala uma língua tribal. Indiretamente, a reportagem lembra que Obama é o que divide tanto os americanos: um filho de imigrante. As raízes de Barack Hussein Obama agradam a quem já o admira e o apóia, mas podem afastar o eleitor médio americano que quer construir um muro que contenha a invasão mexicana e quer leis rigorosas contra a entrada de imigrantes. O assunto tem estado na campanha. Para os eleitores do governador Mitt Romney, esta é a principal questão: 37% deles escolheram o tema, à frente da economia. Se o desemprego aumentar, o sentimento contra imigrantes piora. Mike Huckabee, numa entrevista ao vivo, foi confrontado com sua defesa de que filhos de imigrantes não sejam considerados americanos. Saiu pela tangente: - A Suprema Corte vai decidir. John McCain foi perguntado sobre suas posições a favor da concessão de cidadania aos imigrantes. Sua declaração quase fez naufragar sua pré-candidatura entre os eleitores e financiadores conservadores. Ele preferiu dar um conforto ao eleitorado tradicional do velho partido: - Eu quero primeiro segurança na fronteira. Eles pisam em ovos quando o tema é esse, porque parecer muito contra os imigrantes pode afastar votos numa terra em que vários recém-chegados estão votando. Ao mesmo tempo, parecer muito a favor pode afastar apoios valiosos e, no caso de Obama, votos de eleitores independentes e republicanos que tem conquistado. Até o general Colin Powell, ex-secretário de Estado de Bush, não se segurou e, numa entrevista anteontem, elogiou o senador e desejou sucesso a Barack Obama. Disse que não era endosso, mas pareceu. Entre as várias questões postas para a sociedade americana nesta eletrizante primária, uma é: o que é mais forte, o racismo e o preconceito contra os imigrantes, ou o orgulho de a América ser a terra da oportunidade, onde um filho de um queniano pode disputar a Presidência? Hillary não pode enfrentá-lo com esse argumento, mas, se ele passar pelas primárias, certamente o oponente conservador será inclemente. A ex-primeira-dama usa outras armas. Critica a inexperiência de Obama. E isso tira votos dele, que, numa pesquisa, só foi considerado experiente por 17% dos entrevistados. Hillary faz cara de veterana, quando também não exerceu cargo executivo. A menos que se aprenda a governar por osmose, ela também é inexperiente. O que a ex-primeira-dama sempre incomodou - e agora mais do que nunca - é o conservadorismo machista do país. Por isso seus olhos marejados e o sinal de fraqueza que admitiu sentir fizeram tão bem aos seus votos em New Hampshire. A força de Hillary sempre foi considerada pouco feminina, um sinal de arrogância, frieza, insensibilidade. Fosse ela homem seria virtude ser forte. A bem-vinda fraquejada ajudou bastante a reversão, que, de tão rápida, confundiu a imprensa. A CNN, que mobiliza um time excepcional de repórteres e comentaristas, com invejáveis recursos tecnológicos, para cobrir as primárias, até às 23h de terça-feira não tinha coragem de apostar. Divulgou um quadro em que o primeiro e o segundo lugar na disputa democrata estavam indefinidos e, no terceiro lugar, estava John Edwards. Deve ser a primeira vez em que um órgão de imprensa divulga uma previsão apenas para o terceiro colocado. Ainda há muito chão pela frente, e John Edwards pode melhorar a posição, mas, se no final for o escolhido, será inevitável concluir que podendo inovar com uma mulher ou um negro, o Partido Democrata acabou escolhendo um homem branco com cara de certinho. Será uma escolha muito conservadora para um partido que sempre quis ter a cara da inovação. Ninguém tinha dúvidas de que John McCain ganharia em New Hampshire. Foi lá que ele deu uma monumental surra, com 19 pontos à frente, em George W. Bush em 2000. John McCain, de 71 anos, continua sendo um pensador mais liberal entre os republicanos. É dele a melhor posição ambiental do partido. Mesmo assim, parecia mais liberal quando comparado com Bush. Isso nos leva a mais uma pergunta que a sociedade americana se faz agora: o medo do terrorismo pós 11 de setembro jogou definitivamente o eleitorado para a direita ou ele está cansado dos excessos fundamentalistas do governo Bush? Estas primeiras escolhas são em estados sem peso eleitoral, mas são fundamentais para o humor do escritório de campanha e, principalmente, dos doadores. A batalha fundamental, porém, tem hora marcada: será no dia 5 de fevereiro, quando 21 estados escolherão seu candidato. A economia está condenada a jogar um peso importante nesta eleição. Entre os eleitores democratas, 87% acham que a situação econômica está ruim, mas até entre os republicanos quase a metade também admite que a situação não é boa. E mais: 49% dos eleitores republicanos estão "raivosos" ou "insatisfeitos" com o governo Bush, segundo pesquisa mostrada pela CNN. Entre os republicanos que estão favoráveis a Bush, Mitt Romney ganha. Entre os que estão com raiva ou insatisfeitos, ganha McCain. |
Entrevista:O Estado inteligente
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