O Globo |
10/1/2008 |
O comentário do ex-chefe da Casa Civil de Lula José Dirceu na já famosa reportagem da revista "Piauí", de que para o governo seria melhor que um candidato republicano vencesse as eleições americanas em novembro, pois os democratas são mais protecionistas e "muito ligados aos tucanos", corresponde ao pensamento predominante na cúpula governista. Ironicamente, as melhores ligações do governo petista, e pessoalmente de Dirceu, são os republicanos conservadores. Seu pragmatismo faz com que um de seus contatos de negócios, por exemplo, seja William Berry, ligado a grupos anticastristas. Outro ponto de contato é a secretária de Estado, Condoleezza Rice, com quem Dirceu esteve pessoalmente em Washington antes da crise do mensalão, em abril de 2005, na tentativa frustrada de abrir canais de comunicação paralelos ao Itamaraty. O contato foi feito através do empresário Mario Garnero, amigo pessoal da família Bush. Condoleezza Rice andou lendo livros sobre Lula e sua trajetória política, e a relação pessoal de Bush e Lula sempre foi bastante boa, tendo melhorado nos últimos tempos devido ao interesse comum na política do etanol. O governo brasileiro chegou a programar, sob inspiração direta de Lula, uma série de visitas de autoridades brasileiras aos Estados Unidos, especialmente para contatos no meio acadêmico, e entre as ONGs e entidades sindicais. Além do ministro Dirceu, também esteve nos EUA na ocasião o secretário-geral da Presidência, Luiz Dulci, encarregado de fazer a ligação do governo com a sociedade civil no Brasil. Não por acaso, os dois estiveram reunidos com representantes dos meios de comunicação americanos. O governo brasileiro pretendia convidar também intelectuais e formadores de opinião dos Estados Unidos para visitarem o Brasil, tudo para superar um certo complexo de inferioridade petista em relação ao meio acadêmico americano, que continua sendo mais ligado aos "tucanos". Meses depois, a crise do mensalão mudou as prioridades do governo, e a agenda de integração latino-americana ganhou destaque. Com a vitória de Hilary Clinton em New Hampshire, volta à tona a questão da relação dos democratas com os "tucanos". Enquanto Barack Obama pode ser visto como um outsider político, como o Lula de 2002, a senadora Hilary continua muito mais ligada aos tucanos, através da amizade do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso com seu marido, Bill Clinton. Hilary, que sempre criticou o programa americano do etanol através do milho por ser mais caro, e elogiava o programa brasileiro, calou-se em Iowa. Essas primeiras prévias dão poder político artificial à agroindústria. E nos primeiros momento das primárias, que ganham destaque desproporcional à importância do eleitorado de Iowa e New Hampshire, a senadora Hilary Clinton teve que mudar o discurso. Hilary, de qualquer maneira, seria o primeiro presidente dos Estados Unidos que, ao tomar posse, saberia onde fica o Brasil. Ela conhece política social no Brasil, já visitou o país sozinha e foi ver de perto alguns programas sociais. Acha que o Brasil é um país inovador em políticas sociais, e era a isso que se referia quando comentou para a TV Globo que estava "muito impressionada" com o que estava sendo feito no país. Sua vitória em New Hampshire poderia ter uma dimensão simbólica maior, pois era uma tradição da política americana que ninguém era eleito presidente sem ganhar em New Hampshire. Mas ironicamente foi seu marido quem quebrou essa escrita, perdendo para Paul Songas, ex-senador de Massachussetts, estado vizinho. Na visão de Norman Gall, diretor-executivo do Instituto Fernando Braudel, a vitória de Hillary traz um grande benefício ao sistema político americano: garante que a concorrência na campanha vai se prolongar, evitando a vulnerabilidade de uma liderança isolada nos seis meses que separam as primárias de fevereiro e as convenções de agosto. Para Gall, a vitória de New Hampshire também reflete o envelhecimento do eleitorado americano, que pode ser fator decisivo entre os democratas. Hillary pode prevalecer nos próximos meses pela imagem de competência que projeta e pela organização profissional e bem financiada que comanda. O auge de Obama traz para Norman Gall a lembrança da campanha de 1972 de George McGovern, ganhando a nominação democrata, mas perdendo mal para Nixon. Ele acha que Obama se choca com o conservadorismo crescente do eleitorado americano. O que preocupa em Obama, diz Gall, é a falta de conteúdo de sua campanha até agora, "que pode ser custosa nos meses após fevereiro, se ele não produzir idéias novas e sensatas". Gall, um americano do Bronx que trabalhou ainda menino na campanha presidencial de John Kennedy, faz comparações: "Ambos são de Harvard, com Obama mostrando maior proeza intelectual que Kennedy. O pai de Kennedy era um famoso financista e embaixador na Inglaterra durante os anos Roosevelt, o que deu a ele uma educação em problemas internacionais. Obama é fraco em assuntos internacionais. JFK fazia uma campanha cautelosa e conservadora, atacando o governo Eisenhower (doente e cansado) pela recessão de 1960 e pelo medo de perder a Guerra Fria após o lançamento do Sputnik pelos russos". Nestas alturas, Obama é uma incógnita, analisa Gall. "Não sabemos das reservas e de sua personalidade. Sua condição de negro pode ainda prejudicá-lo numa campanha suja no outono de 2008". Ao mesmo tempo, Hilary tem um grau de rejeição muito alto, e a questão das oligarquias (repetição de governos Bush-Clinton-Bush-Clinton) é um tema delicado. |
Entrevista:O Estado inteligente
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