Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, janeiro 08, 2008

Míriam Leitão - Pacote americano



O Globo
8/1/2008

No discurso que o senador Barack Obama fez para comemorar a vitória em Iowa, ele falou 35 vezes a palavra mudança. Depois de oito anos, é natural que o eleitorado queira mudança, principalmente se a feia cara da crise econômica está à espreita. A agenda econômica e a política coincidem: o governo Bush precisa fazer algo para melhorar a chance do seu partido. Por isso, ele prepara um pacote.

Ao contrário do pacote brasileiro, o do presidente americano deve ser anunciado no tradicional "Estado da União", mensagem do presidente ao Congresso no início do ano legislativo. E deve ser o oposto do pacote brasileiro: corte de impostos; aumento de despesas públicas. Isso sem falar no novo corte de juros que deve ser anunciado pelo Fed na próxima reunião, no dia 30 de janeiro.

O economista Ilan Goldfajn diz que o mercado espera mais de um corte:

- No fim do mês, o Fed deve cortar os juros em talvez meio ponto percentual, mas outros cortes virão. Hoje eles estão em 4,25% e devem no final ir para 3,5% ou 3,25%.

As fontes oficiais do governo Bush estão falando em "pacote de estímulo econômico", mas não entraram em detalhes sobre quais serão as medidas. O ex-secretário do Tesouro Larry Summers disse ao "Financial Times" que não basta o estímulo monetário (corte de juros), que é preciso estímulo fiscal (redução de impostos, benefícios fiscais e aumento de gastos). Ele aconselha que o governo faça seu pacote no tempo certo e com um alvo específico. Sugere que o alvo do corte de impostos e benefícios fiscais seja os mais pobres, que estão hoje mais enrolados com as prestações da casa própria.

O temor de uma recessão global se espalha pelo mundo e aumentou muito depois que foram divulgados, na semana passada, dois dados: o ISM (que mede as intenções de compra dos gerentes das grandes empresas) e o desemprego e folha de pagamento. O ISM veio abaixo de 50 pontos, o que indica recessão, e o desemprego aumentou.

Ontem o primeiro-ministro britânico disse que este vai ser um "ano perigoso"; que a economia inglesa anda bem, mas os "ventos que vêm do Atlântico" trazem os riscos de uma recessão nos Estados Unidos. As previsões de recessão nos EUA estão ficando mais freqüentes. Ontem também a Merrill Lynch afirmou que já considera a recessão americana uma realidade.

O problema é que remédio usar contra os perigos que rondam a economia americana: de um lado, a recessão; de outro, a inflação. A alta de preços dos alimentos e do petróleo está aumentando o risco de inflação; contra isso, os remédios são corte de gastos e aumento da taxa de juros. Os sinais de recessão se agravam e, contra eles, o remédio é estímulo fiscal e redução da taxa de juros. Como balancear a dose para um problema não aumentar o outro? Ontem à tarde, 70% do mercado apostavam em 0,5 pp de queda; os outros 30%, em 0,25 pp. No fim do ano, 92% esperavam queda de apenas 0,25%.

- Sou dos que acreditam que o Fed vai cortar só 0,25 justamente por causa da inflação. Mesmo quando se excluem alimentos e petróleo, ela está alta. Os preços dos importados subiram muito. Pode ser, entre outras coisas, efeito indireto da alta dos alimentos, que acaba pressionando mão-de-obra - disse o economista Ricardo Amorim, do WestLB.

Marcelo Salomon, economista-chefe do Unibanco, acha que hoje a balança de riscos pesa muito mais para a tendência de uma recessão: curta ou longa, mas recessão. E acha que a volatilidade deve aumentar muito a partir desta semana, quando começarem a sair os balanços das empresas americanas:

- O ISM e o desemprego indicaram que o risco aumentou, por isso acho que a resposta americana não poderá pôr todo o peso sobre os ombros da política monetária, serão necessários estímulos fiscais. Espera-se que sejam temporários e dirigidos aos mais pobres - afirmou Salomon.

Ilan acredita que o governo americano terá que se equilibrar entre os dois problemas:

- O melhor é ele ter um pacote de estímulos fiscais focado nos mais pobres, mas já avisando que é temporário. Isso aceleraria as decisões de compra para aproveitar o benefício e não passaria a idéia de deterioração fiscal.

O governo Bush herdou do governo Clinton (o marido) um forte superávit fiscal. Em 2001, após o 11 de Setembro, para evitar a recessão que poderia vir da grave crise de confiança pós-atentado, o governo Bush ampliou gastos e cortou impostos. Isso elevou o crescimento e, claro, gerou um enorme déficit. Depois de chegar ao ponto máximo de 4,9% do PIB, o déficit fiscal americano foi caindo até os 1,2% do PIB de agora. Apesar da melhora, não há margem para muita mágica fiscal.

Se a economia dá sinais de que precisa de "resgate", para ficarmos no termo empregado por Larry Summers, a política manda o mesmo recado. A probabilidade maior hoje é de vitória democrata. As primárias apenas começaram, mas o senador Barack Obama cresce repetindo incessantemente a palavra "mudança", a mesma usada por Bill Clinton quando derrotou George Bush (o pai). E o que faz tremer os republicanos é que Obama está crescendo além do eleitorado democrata, atraindo os independentes. Num ambiente de insegurança econômica, esse tipo de apelo tem mais eco.

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