Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, janeiro 04, 2008

Míriam Leitão - Embrulho oficial



PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
4/1/2008

Governos podem mudar de idéia, e devem adotar medidas amargas quando necessárias. Governos, às vezes, negam o que, na verdade, estão pensando em fazer. Mas a freqüência com que o governo Lula faz isso impressiona. A declaração do ministro Guido Mantega de que a promessa do presidente Lula de não aumentar imposto valia apenas para 2007 desrespeita a inteligência das pessoas.

No primeiro dia pós pacote, os especialistas ajudaram a explicar os detalhes das medidas, apesar de o Diário Oficial de ontem ter amanhecido sem elas, mostrando mais uma novidade do governo atual: ele anuncia primeiro e escreve as medidas depois.

O economista Ilan Goldfajn disse que, na maioria dos casos, o aumento do IOF foi mesmo uma troca de seis por meia dúzia, ou seja, o contribuinte pagará o mesmo que pagava antes nas operações de crédito, câmbio e seguros. Com uma exceção:

- No caso dos empréstimos para pessoa física, além do IOF de 0,38%, vai ter uma cobrança que saiu dos 0,0041% para 0,0082% ao dia. Isso, no ano, dá um aumento de 1%, 1,5% - disse ele.

O tributarista Rubens Branco alertou que quem fez compras de Natal no exterior para pagar em janeiro terá que pagar com a nova alíquota do IOF. Neste caso, não se aplica o princípio da não-retroatividade do tributo, pois a operação de câmbio será realizada quando for feito o pagamento.

A boa notícia que tanto Rubens Branco quanto o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel explicam é que, nos empréstimos já concedidos, inclusive imobiliários, não pode haver aumento do IOF.

Quanto à Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), ela só poderá ser cobrada no segundo trimestre, por causa da noventena. O tributarista Ives Gandra disse que só em 2009, sobre o lucro de 2008. Mas Everardo Maciel discorda: diz que o lucro é apurado trimestralmente, portanto, passados os 90 dias, o governo poderá cobrar o novo imposto.

O economista Marcos Lisboa, que integrou o governo Lula na gestão do ministro Antonio Palocci, lamentou o pacote numa entrevista que me concedeu ontem na Globonews:

- O governo poderia cortar gastos públicos em vez de cortar os gastos das famílias através de aumento de juros. Poderia fazer dieta ou comprar uma roupa mais larga. Preferiu a segunda opção.

O economista chefe do Credit Suisse, Nilson Teixeira, acha que o governo vai arrecadar mais do que está calculando. Segundo as contas do banco, poderá chegar a R$10 bilhões só com o IOF, e até a R$4 bilhões com a CSLL.

Seja como for, o governo parece ter bastante dinheiro, apesar da perda da CPMF. Só de restos a pagar, com os empenhos feitos no final do ano, tem R$40 bilhões, segundo disse ontem o ministro Paulo Bernardo em entrevista à imprensa.

Para se ter uma idéia, até novembro, no acumulado de 12 meses, o governo estava com um superávit primário de 4,21% do PIB, quando a meta é de 3,8%.

- Mas o que ele não empenhou em dezembro o governo perde. Um ano não pode emprestar para outro - explicou Nilson Teixeira.

Deve ser por isso que o governo acelerou os "empenhos" (liberação) de dinheiro do orçamento de 2007 no final do ano.

Este pacote mostra uma velha tendência dos governos: o aumento de imposto é à vista; o corte de gastos, a prazo. Todos os especialistas com os quais eu falei ontem disseram que o governo precisa explicar melhor de onde tirará os R$20 bilhões.

Há uma dificuldade técnica: o Orçamento está no Congresso, portanto, o Executivo não pode estabelecer onde serão feitos os cortes, que precisam ser negociados. Ele pode também decidir que gastos não vai executar porque o Orçamento não é impositivo, é autorizativo, mas ficará claro novamente que o Orçamento é, na verdade, uma peça de ficção.

O governo tinha que tomar algum caminho para enfrentar a perda da CPMF. Ou confiaria no aumento de arrecadação, ou cortaria gastos, ou aumentaria impostos, ou faria um mix dos três. Outra opção seria cortar o superávit primário. Fora desse cardápio, não há milagre. O problema não é o que o governo fez, mas como fez.

O presidente Lula falou, em várias ocasiões, que não aumentaria impostos, não faria pacotes, que tinha ojeriza a eles. Os líderes do governo prometeram à oposição, em nome do presidente, nada fazer antes de fevereiro, como argumento para aprovar a DRU. E o que o governo fez foi um pacote de aumento de impostos no primeiro dia útil do ano. Poderia alegar que era inevitável, mas não poderia ter dito que não era um pacote e que a promessa de não aumentar impostos só valia para 2007.

Com quantas medidas se faz um pacote? Mantega diz que não é pacote, pois são duas medidas. Na verdade, são quatro, porque devem ser contadas duas outras anunciadas antes: o aumento do recolhimento do INSS para quem ganha menos e a determinação de que os bancos mandem informações sobre movimentações bancárias.

A verdade é que: isto é um pacote e foi adiado porque o governo queria garantir que a Desvinculação de Receitas da União (DRU) fosse aprovada no Congresso. Em todo este episódio, houve declarações lamentáveis, mas a do ministro Mantega dizendo que o presidente Lula prometeu não aumentar os impostos apenas em 2007 é constrangedora.

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