Enquanto o grupo do ex-governador chamava o governador (para dizer o mínimo) de político de compromissos não confiáveis, o grupo do governador chamava o ex-governador (para dizer o mínimo) de especialista em cizânia. Os primeiros diziam que uma liderança como a de Alckmin não podia "ficar na chuva e no sereno", sem mandato e sem alguma "vitrina" que lhe pudesse garantir espaço na mídia, o que seria um contra-senso para quem, do partido, lidera as pesquisas de intenção de votos para a Prefeitura de São Paulo.
Os outros retrucavam reiterando que a administração Kassab, toda montada por José Serra, é um sucesso que o partido não pode deixar de capitalizar. E que graças ao reconhecimento popular, em razão de ações administrativas de grande êxito - do tipo Operação Cidade Limpa -, o nome de Gilberto Kassab se impõe como jovem liderança e tem todas as chances de superar a popularidade derivada do recall - para usar termo que o ex-governador gosta muito de empregar, referindo-se à lembrança que o eleitor tem da eleição passada, que com o tempo se esvazia.
O conflito estava nesse pé quando o ex-presidente Fernando Henrique, fazendo mistura de reflexão acadêmica com experiência política presidencial, anunciou, de forma clara e direta, a grande estratégia que se apresentava aos desarvorados tucanos: a aliança com os Demos em torno da candidatura Kassab à Prefeitura, este ano, e o lançamento das candidaturas de Geraldo Alckmin ao governo do Estado e de José Serra à Presidência da República, em 2010.
Raciocinando sobre essa estratégia, as melhores cabeças tucanas logo chegaram à conclusão de que Kassab prefeito, Alckmin governador e Serra presidente (KALSE) significaria uma tríade representativa dos melhores valores político-administrativos que esses partidos aliados poderiam oferecer ao País. Mas os obstáculos a uma estratégia desse tipo seriam, primeiro, a desconfiança dos alckmistas quanto à garantia da candidatura de Alckmin. E se Serra resolver candidatar-se à reeleição ao governo do Estado? Um dos motivos óbvios para isso poderia ser a candidatura de Lula a um terceiro mandato presidencial - apesar de seus protestos em sentido contrario. Outro obstáculo seria a situação de "chuva e sereno" do ex-governador, por aguardar uma candidatura governamental sem dispor de posição pública de destaque.
A continuidade do raciocínio das melhores cabeças teve o condão, primeiro, de reverter a linguagem agressiva entre os dois grupos. Serristas passaram a ressaltar a competência administrativa de Alckmin, como governador, assim como alckmistas passaram a enumerar as qualidades de estadista que Serra sempre demonstrara em sua carreira política. E estes também não se esqueceram de elogiar a firmeza, a coragem e o dinamismo que o prefeito Gilberto Kassab tem feito transparecer no governo da cidade. Mas, e quanto aos obstáculos? O raciocínio avançou e concluiu pelo óbvio: o grande projeto de Serra sempre foi a Presidência da República. Nunca antes as probabilidades de atingir esse objetivo lhe estiveram tão próximas - e ele é o único político que teria densidade eleitoral nacional para competir até com o próprio Lula, na hipótese improvável de este buscar um terceiro mandato presidencial consecutivo. Então, uma reeleição ao governo do Estado seria um projeto que não lhe despertaria nenhum interesse.
Quanto ao segundo obstáculo, concluiu-se que um político competente - e Alckmin o é - não precisa de cargos públicos para conquistar espaço público. Nem é preciso Al Gore para o ilustrar - basta FHC. E se fosse mais importante a freqüência da comunicação do que seu conteúdo, até os piores apresentadores de televisão seriam grandes estadistas da República. Então, o importante não é a impressão deixada pela freqüente, mas sim pela forte aparição pública.
Foi assim que a saudável reflexão conduziu ao grande acordo dos tucanos, assentado nos seguintes pontos:
Em aliança com os Democratas, os tucanos apoiarão a candidatura de Gilberto Kassab à Prefeitura de São Paulo.
Fica desde já lançada e garantida, pelas instâncias decisórias do partido, a candidatura de Geraldo Alckmin ao governo de São Paulo, em 2010.
Fica desde já lançada e garantida, pelas instâncias decisórias do partido, a candidatura de José Serra à Presidência da República, em 2010.
Em hipótese alguma - mesmo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva descumpra o prometido e busque aprovar emenda constitucional que lhe permita concorrer a um terceiro mandato presidencial consecutivo - o governador José Serra se candidatará à reeleição para o governo de São Paulo.
Tanto o governador José Serra quanto o prefeito Gilberto Kassab se comprometem a solicitar a participação pública do ex-governador Geraldo Alckmin nos atos mais relevantes dos governos estadual e municipal, para enfatizar a solidez de projetos de governo baseados em princípios e valores comuns.
Com transparência político-partidária inédita, os três candidatos se comprometem a expor, em entrevista coletiva conjunta, a estratégia do partido em sua legítima luta para, chegando ao poder, desenvolver relevantes projetos de governo.
O grande acordo ainda é tácito, mas, em breve, deve se tornar expresso. E já começa a receber sólido apoio de políticos e personalidades, via internet.