Artigo - Jarbas Passarinho |
O Estado de S. Paulo |
8/1/2008 |
As ideologias modelam as práticas administrativas dos governos. Se socialistas, a ênfase recai sobre a igualdade. Se capitalistas, sobre a liberdade. Na economia dirigida dos socialistas, o assistencialismo é almejado. Na economia de mercado, o crescimento é o objetivo buscado. O assistencialismo dos países ainda não desenvolvidos, dominados pelo marxismo, em regra se confunde com o distributivismo precoce e acaba distribuindo a escassez. Daí a frase atribuída a Delfim Netto, malevolamente: deixar o bolo crescer para depois distribuí-lo. Na prática, por insensibilidade com os pobres e os miseráveis (no sentido de ficarem abaixo do nível da pobreza), não se faria distribuição de renda senão depois que o produto interno bruto (PIB) per capita se igualasse ao dos países ricos. Nunca isso foi dito por Delfim, quando czar da economia durante o ciclo militar. Estabelecidos esses dois princípios básicos e primários, tento comparar na contemporaneidade que vivemos dois modelos nitidamente colidentes, de 1964 a 1984 um, e de 1985 aos dias de hoje. No ciclo militar, com o auxílio dos cérebros brilhantes de Roberto Campos e Otávio Bulhões, coube ao presidente Castelo Branco modernizar o Brasil, partindo da premissa imperativa de paralelamente controlar a inflação, prevista para cerca de 144% ao fim de março, sem correção monetária. Ao passar o governo, a inflação fora reduzida para 90% . Roberto Campos, em seu livro A Lanterna na Popa, afirma: “O Governo realizou bem menos do que prometera no controle da inflação e muito mais do que prometera na modernização das instituições.” A modernização constou ora das reformas econômicas, ora das reformas sociais. As primeiras abrangeram todo o sistema fiscal e financeiro, visando à modernização capitalista (“a operacionalização da economia de mercado e a criação do Banco Central, o Estatuto da Terra, a reforma do sistema habitacional-BNH e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, o FGTS”). As reformas sociais visavam a criar um distributivismo racional: a Lei de Greve, reforma do Imposto de Renda, Lei de Remessa de Lucros, Lei do Inquilinato e Salário-Educação. As reformas de Castelo, diz Roberto Campos, “representam a conjunção da democracia política com a economia de mercado”. Castelo Branco foi o semeador daquilo que hoje se chama de capitalismo democrático. Seus sucessores colheram as sementes transformadas em árvores, o crescimento do PIB a mais de 10% ao ano, alçando nossa economia ao oitavo lugar no ranking das economias do mundo, mesmo com uma inflação alta, devida ao segundo choque do petróleo. Os 800 mil barris/dia de petróleo custavam US$ 600 milhões, que importávamos ao fim do governo Médici. A mesma quantidade de petróleo, no governo Figueiredo, seis anos depois, custava US$ 11 bilhões e a inflação anual atingiu 200%. Nas duas décadas, o desenvolvimento foi notável: hidrelétricas de referência mundial, Itaipu e Tucuruí, rodovias de oeste a leste, Transamazônica, siderúrgicas, sexto produtor de aço no mundo, taxas anuais de crescimento do PIB maiores de 10% ao ano, a modernização das telecomunicações e a economia de pleno emprego, oitava do mundo. O objetivo ideológico de crescimento foi amplamente realizado, gerando milhões de empregos. Se, no lado do crescimento, houve êxito total, no ciclo militar houve um esboço de assistencialismo. Castelo criou o salário-educação, Costa e Silva fez aprovar o plano básico da previdência rural, inédito, criando a aposentadoria do trabalhador do campo, conhecido como Funrural, com metade do maior salário mínimo, beneficiando mais de 6 milhões de pessoas. Dele disse o presidente Fernando Henrique Cardoso, dias antes de deixar o governo, ser “o maior programa de renda mínima do mundo”. As duas décadas de governos civis tiveram ideologicamente as variantes do governo José Sarney e os breves de Fernando Collor e Itamar Franco, unidos na chapa eleitoral e nitidamente divergentes na prática do governar. Sarney teve grande dificuldade de governar, mantido “com sentinela à vista” pelo MDB de Ulysses Guimarães. Convocou uma Constituinte, cuja maioria escreveu a Constituição de 1988, inegavelmente xenófoba e logo ultrapassada pela queda do Muro de Berlim e pelo colapso da União Soviética. Do ponto de vista da diferença ideológica, crescimento versus assistencialismo, foram cinco anos de ambigüidades. Collor - aproximado do pensamento de José Guilherme Merquior, o social-liberalismo, que sucedeu às duas experiências coletivistas, o nazismo e o comunismo, e a uma dirigida, o keynesianismo - adotou o modelo do Estado modesto, a redução dos Ministérios e o duro combate à inflação, que no governo Sarney chegou a mais de 1.700% ao ano. Fez as privatizações de estatais e a extroversão da economia. Itamar, mais perto da esquerda católica, com seu ministro da Fazenda, o oblato Rubens Ricupero, praticou o nacionalismo e reduziu ou acabou com as privatizações, tendente que era à estatização. No tocante à hiperinflação, enquanto Collor queria acabá-la com tratamento de choque, receita do FMI que Castelo Branco recusou em 64, o PSDB preferiu o gradualismo do bem-sucedido Plano Real. Nos dois mandatos de Fernando Henrique, o assistencialismo ganhou força com o Bolsa-Escola, o Auxílio-Alimentação, o Vale-Gás e o reforço ao Vale-Transporte, os fringe wages americanos que Lula chamava de esmola. Nos cinco anos do seu governo, o que era esmola se transformou na pedra de toque do Bolsa-Família e na cooptação de milhões de eleitores. Em contrapartida, as estradas estão esburacadas, nenhuma foi construída, o apagão aéreo inferniza os viajantes de avião, o crescimento é pífio, chegando a negativo. Só em 2007 melhorou, mas os portos agravam o custo Brasil e a corrupção toma o lugar da ética prometida. |
Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, janeiro 08, 2008
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