Suely Caldas*
Simples, mas Dilma se recusava a aceitar, embora não faltassem alertas. Um deles partiu do ex-ministro de FHC Pedro Parente, com quem Dilma manteve inúmeras conversas sobre experiência de gestão no governo federal. Ex-ministro da Casa Civil de FHC, em 2001 Pedro Parente foi escalado para intervir no setor elétrico, já que o então ministro de Minas e Energia, ex-senador José Jorge, era um político, não entendia nada do assunto e não estava capacitado para rearrumar a bagunça deixada pelo seu partido, o PFL, que resultou no apagão, no racionamento de energia e na queda da atividade econômica.
Hoje Dilma vive experiência muito parecida à de Parente. Ocupa o mesmo cargo, o de ministra da Casa Civil, foi escalada por Lula e por si própria para intervir no setor elétrico para evitar a crise de suprimento vivida em 2001 e no comando do Ministério enfrenta um político que, como José Jorge, entende zero do assunto e cuja preocupação é ocupar cargos de direção no Ministério e nas estatais para apadrinhados de seu partido, o PMDB. Se os diretores da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) não tivessem mandato fixo, como desejava Dilma em 2003, a voracidade de Edison Lobão os alcançaria e as funções de regular e fiscalizar ficariam seriamente comprometidas. Mas, neste caso, caro leitor, ele se conforma com funções de segundo e terceiro escalões.
O segundo alerta a Dilma foi dado por Jerson Kelman, por ela escolhido presidente da Aneel em 2003. Ex-diretor-geral da Agência Nacional de Águas (ANA) no governo FHC, em maio de 2001 Kelman foi designado presidente de uma comissão que produziu um documento de 100 páginas e 12 anexos dissecando as raízes do apagão, nomeando responsáveis, identificando problemas e sugerindo ações de curto, médio e longo prazos para corrigir as mazelas do setor elétrico. Elogiado dentro e fora do governo, o Relatório Kelman impressionou positivamente Dilma Rousseff, que acabou nomeando seu autor para a Aneel.
Em relação ao papel das agências reguladoras, o documento adverte: "Na concepção moderna de regulação, a autonomia do órgão regulador em relação ao governo é um ponto-chave." Antes da criação da Aneel, a regulação era entregue a um departamento do Ministério e exercida por funcionários oriundos das empresas reguladas e fiscalizadas, todas estatais, num ambiente de promiscuidade que resultou na "ciranda do calote" (todas as empresas deviam entre si) e na completa insolvência das distribuidoras de energia. Sobretudo no setor elétrico se impunha um órgão regulador independente do governo, responsável maior por esta situação de calamidade econômica.
Apesar desse histórico de fracassos, ao chegar ao Ministério de Minas e Energia Dilma insistiu em trazer de volta ao governo as funções da Aneel. Queria concentrar poder para implementar decisões sem enfrentar eventuais conflitos com o órgão regulador. Substituída por Silas Rondeau, ela deixou no Ministério pessoas de sua confiança. Mas o método de loteamento político de cargos foi tão vulgarizado no governo Lula que, agora, em plena crise de déficit de energia, ficou perigosamente arriscado confiar à Empresa de Pesquisa Energética (EPE), subordinada ao ministro, atribuições que ela tirou da Aneel. Deve agora estar agradecendo aos céus a direção da Aneel poder recusar demandas políticas de Edison Lobão sem o risco de Jerson Kelman ser demitido. Aliás, partiu dele o alerta público sobre o risco de faltar energia. Mas agora anda calado.
*Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-RJ. E-mail: sucaldas@terra.com.br