Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, janeiro 08, 2008

Clóvis Rossi - Normal e "normal'



Folha de S. Paulo
8/1/2008

Instantâneos não são, como é óbvio, o retrato de corpo inteiro de um país, de uma cidade, de uma pessoa, de uma situação. Mas podem, eventualmente, revelar um pouco da alma das pessoas. Visitemos, pois, dois instantâneos. O primeiro veio de Daniel Bergamasco, o enviado especial da Folha às primárias de Iowa (belo trabalho, aliás). Bergamasco espantou-se com o fato de que, na escola de Des Moines na qual cobriu o "caucus" democrata, "não é preciso mostrar algum documento para entrar" (nem para votar).
Espanto justificado em quem foi do Brasil para Iowa. Aqui, se algum partido fizesse qualquer tipo de primárias sem controle, a fraude seria inevitável (se até com controle há fraudes, imagine sem).
Em Iowa, no entanto, o normal é que as pessoas que entram (e votam) o fazem porque podem e devem estar lá. É uma questão de confiança no outro, que muito provavelmente não vale para outras áreas dos Estados Unidos.
Confiança idêntica faz com que alguns metrôs europeus não usem catraca, porque o normal é que o usuário pague assim mesmo.
O segundo instantâneo é do Ibirapuera, São Paulo. Uma motocicleta encosta em um carro, o motoboy leva à mão à cintura, o ocupante do carro dispara e mata o rapaz.
Lógica da história: no Ibirapuera (como no resto do Brasil), o "normal" é que o rapaz da moto estivesse armado (não estava) e, mais que isso, atiraria ante qualquer gesto brusco ou "suspeito" (suspeito no Brasil é qualquer movimento de autodefesa ou tentativa de fuga em casos semelhantes).
Aposto que 11 de cada 10 brasileiros desconfiariam do outro, nas mesmas circunstâncias. E atirariam, se pudessem.
Pelo andar da carruagem, o que é mais provável: que Iowa acabe desconfiando de sua própria gente ou que os brasileiros ganhem confiança uns nos outros?

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