Entrevista:O Estado inteligente

sábado, janeiro 19, 2008

Celso Ming Tratamento de choque?

O mercado financeiro reagiu como se esperasse mais (sabe-se lá o quê) do pacote anunciado ontem pelo presidente Bush. E, no entanto, não se pode ter muito mais do que isso. Ele é apenas o que é. Não é, por exemplo, solução para as atuais mazelas da economia americana.

O Congresso dos Estados Unidos provavelmente tentará agora reforçar os incentivos porque nenhuma força política do país quer, num ano eleitoral, passar para a opinião pública a impressão de que está enterrando a economia.

O pacote tenta ser uma espécie de tratamento de choque para reverter o baixo-astral que tomou conta dos corações e mentes dos americanos. Talvez não consiga esse intento.

Este é um momento de forte perda de auto-estima do povo americano. Desde seu início está dando tudo errado na guerra do Iraque, mas só agora o cidadão parece ter-se dado conta do tamanho da entalada.

O dólar, principal fetiche dos Estados Unidos, perde valor todos os dias e ameaça derreter. O sujeito sai de casa de manhã, passa pelo posto de combustível e se dá conta de que lá se vai mais um pedaço de sua renda para sustentar os senhores do petróleo, quase todos inimigos potenciais.

A casa própria, que mais que tudo é um símbolo do sonho americano, vai perdendo valor e o proprietário ainda tem de engolir em seco a certeza de que está pagando um financiamento mais caro do que vale agora seu imóvel.

Afora isso, é o desemprego rondando a renda familiar, sujeita a um baque do dia para a noite. E, last but not least, o patrimônio em ações, amealhado para pavimentar o futuro, sendo corroído em Wall Street.

Mas, convenhamos, estados de espírito tão conturbados não podem ser revertidos facilmente com uma chuvinha de 1% do PIB.

Ela vem, declaradamente, para reverter o processo de recessão já em curso, paradoxalmente, uma situação que o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Ben Bernanke, não consegue enxergar.

O risco é o de que seu efeito seja cosmético e efêmero. Porque apenas a queima de mais lenha no consumo não conseguirá consertar o que está errado.

Enfim, é preciso ver ainda o que acontece com as camadas mais profundas da economia americana e como reordená-las. Não se pode dizer que algum ajuste não esteja acontecendo. A desvalorização do dólar, de 5,6% diante do euro nos últimos seis meses, tende a estimular as exportações americanas e, por aí, a criar as bases para o aumento do dinamismo produtivo. Há quatro meses os grandes bancos americanos não fazem outra coisa senão eliminar ativos podres e receber enormes injeções de capital. Mas falta agora sanear o mercado imobiliário e garantir poder aquisitivo para o proprietário de imóveis incapacitado de honrar suas prestações.

Mas na camada de baixo estão males econômicos mais profundos, os dois rombos gêmeos: o desequilíbrio das contas externas e o desequilíbrio das contas orçamentárias. Há quem afirme que o buraco mais engolidor é o colapso da formação de poupança. Mas pode estar ainda mais abaixo. (Amanhã esta coluna tratará disso.)

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